Amor de minhas entranhas, morte viva,
em vão espero tua palavra escrita
e penso, com a flor que se murcha,
que se vivo sem mim quero perder-te.
O ar é imortal. A pedra inerte
nem conhece a sombra nem a evita.
Coração interior não necessita
o mel gelado que a lua verte.
Porém eu te sofri. Rasguei-me as veias,
tigre e pomba, sobre tua cintura
em duelo de kordiscos e açucenas.
Enche, pois, de palavras minha loucura
ou deixa-me viver em minha serena
noite da alma para sempre escura.
Minha lira tem um jeito de quem está perdido em um caminho sem volta, não há paredes, não há estradas, não há luz nem referentes, há apenas passos desvairados que me conduzem querendo voltar...
terça-feira, 30 de julho de 2019
segunda-feira, 29 de julho de 2019
Cartas - Fabielle Tavares
Em minha vida após muitas escolhas dentre certas e erradas, varri para debaixo do carpete de minha mente questões que mereciam atenção no que tange à superação delas por minha parte, todavia, por vezes ficavam a pairar num tapete mágico empoeirado esperando por faxina. Fui me permitindo levar pelo que vendem por aí sobre poder “o tempo tudo curar”, não que seguisse a ferro e fogo tal proposição, mas, assim a comprei e ao invés de me enriquecer com o artefato abstrativo adquirido, encontrei-me menos rica de mim mesma. Falo embasada por crises existenciais das quais penso ter tido antes me liberto apenas parcialmente, maquiando-as e consentindo que a efemeridade temporal engolisse e digerisse tudo para num tempo oportuno vomitar na minha própria cara. Então, junto com a tua vinda haveria de vir o maior dos quadros, aquele com menos tinta ou com mais tons escuros, mas, que realmente me fizesse tomar o lugar do tempo enquanto pintor, fazendo-o dele pincel, e assim colorir a minha existência humana com tonalidades vivas e escolhas de cores brilhantes tal qual a luz do Sol.
Não escolhi o ambiente do qual eu sabia ser frequentado por homens mais apresentáveis, ou o mais badalado, nem tampouco mais favorável para algum tipo de flerte. Entretanto, impossível não rastrear algum olhar que porventura me olhasse, repentinamente, ergui a visão e vi alguém que a mim não viu, enxerguei de antemão uma das mãos nas costas da dama a apoiar e a outra a conduzi-la pelo salão ao som de um forró módico, fitei passos que não desvairados eram firmes, brilhos nos olhos equivalentes ao de pó de estrelas ou simples purpurina, avistei um sorriso que como de súbito desejei que pousasse no meu e aquele desejo pareceu-me familiar. Era você. E, depois, o pedido com o qual tanto sonhei: ”Dança comigo?”. Pousei a cabeça por sobre teu ombro, me senti desvelada, me senti sua por um momento, deixei que a amiga fiel partisse, porque no calor do teu peito suado e desconhecido já confiava. Cravei-me. Cravou-me.
Como me pareceu estranho o ato de conversar, me perguntei quando havia me perdido disso e aceito cantadas baratas e beijos fáceis, pois, há muito tempo não tinha estado com um homem como você. O fato é que, devido a isso não estava acostumada, e me deixando levar por isso, deu a hora e fugi como Cinderela, deixando algo contigo. Quem sabe um pouco de mim por enxergar algo de mim em você. Só que daquilo queria mais prova e de ti provar mais: do mistério ser conhecedora; das rugas, curiosa; do sorriso, o motivo; da filosofia, o interesse; de você, sabê-lo.
Não conseguia me entregar completamente e ser intensa em uma transa há tempos, usar de completa sensualidade, ou ser uma outra usando mais de “assanhamento”, quem sabe essa não seria eu mesma. Às vezes era assim que me imaginava ou oscilando sendo o mais carinhosa possível, custasse aquilo ou não uma só noite. Quem estaria com a casta e quem com a descarada? Quem estaria com as duas? (Ou) Quem realmente estaria comigo? Mas, eu também não ia sair por aí dando para qualquer um que quisesse, venhamos e convenhamos. Porém, reinava a insegurança da ilusão de não haver um outro dia, uma outra vez. Mas, por que haveria de haver? E por que não haveria de haver? Por que negar a intensidade no momento real e atual, vislumbrando um amanhã “inexistente”? Temor, talvez de vivenciar uma perda, quando a maior perdida era eu. Por que então não me entregar a um homem tão diferente de todos com quais estive? Seria eu puritana? Frígida? Santa? Biscate em disfarce? Não, eu diria covarde. E se eu não me soltava por inteira, por que seria finalmente você? Logo mais, a invasão de uma miscelânea com pensamentos e sentimentos de querer ser tua num altar com folhas de bambu e mar à vista imbuía o mistério de um homem que eu também não sabia quem era. Segui...
Inevitável não dar uma borrifada do teu perfume no pulso antes de partir, impulsivo e impossível não correr no instante do abrir de olhos no anseio por ler e saber o que havia em um novo bilhete fresco. Teriam novas descobertas sobre um ti, um mim e um nós. Nossas músicas, refeições, conversas, caminhadas, transas, carequices e caretices, abraços, filmes, fds, e tantos nossos. Sua família. Minha família. Nosso Natal. Os fogos reluzentes saindo do teu e do meu coração projetados acima do mar competindo com o brilhar da lua em um dia “qualquer”. Eu fui tua, foste meu, entre pedras e mar, ar e risco, e sendo luz trancados ante a escuridão. Saboreamos um ao outro, escondidos, sedentos, saciados. No mundo só nós dois. Sonhos esperando em um pedaço de papel. Seguimos...
Imaturidade, escolhas erradas. O estado de apaixonamento me deixara completamente vulnerável, teria eu encontrado aquele com quem tanto sonhei? E teria eu condições de mantê-lo? Coragem de escancarar a janela da alma para alguém que não podia e nem devia, por não poder, dar certezas de que permaneceria comigo?
Uma... Não entendia o porquê do término, nem a sua frieza ao tratar do assunto e da relação, de forma tão supérflua, precoce e insípida, nem tampouco os motivos, uma vez que você também tinha defeitos. A forma simples como tratara um “rompimento”, o fim de alguma etapa, não sabia se isso era genialmente invejável ou estupidamente insensível. Estava na sua cama, e com medo de você não ficar comigo, em breve eu estaria na sua e você com medo de que eu não ficasse com você. No final, alguém ficou com alguém? Ou nunca nos deixamos?
Meu chão caiu, mais não existia chão. Imergi no meu “mundinho” mais ainda. Você tinha rompido comigo sem me dar os motivos plausíveis, sem uma conversa. Afinal, hoje em dia, também usam Watshapp para começar e terminar "coisas". Assim, rápida e bruscamente, aquele por quem eu teria idealizado meus sonhos de menina, e comigo queria casar quando me comia dizendo, partiu e me partiu.
Dias e noites em claro, choro pelos cantos, flash de tudo, bilhetes empilhados, músicas sem tom, melancolia nas melodias, dor, tristeza, solidão e tensão, desespero, desânimo, faltas e fotos, mensagens, saudade, raiva, angústia, ódio, lembranças, tempo atemporal, olheiras, corpo esguio, penumbra, lua sem brilho, a estrela mais forte a olhar meu pranto: tio João, casa suja, bagunça, restos de comida, geladeira vazia, acordar um tormento, que viver eu teria, mas, eu teria que viver. Embora as não tivessem sido clarificadas com veemência, o conheci bem decidido, não quis tentar uma volta por achar não ter argumentos contra você, pois era sua verdade e “não haveria muito o que fazer”, todavia, me perguntara qual seria a sua verdade e se ela seria verdade. Segui...
Dilacerada, resolvi esquecer-te, e ainda imersa nesse processo, eis que me surge alguém: você. Daí, pensei que quisesse saber como eu estava para dar uma de preocupado e solidário pela minha dor que doía sem saber por quê. Logo mais fiquei extasiada em saber que eu estivera certa e que você haveria engolido o seu orgulho embebecido com H2oh.
“Do que o ser humano não é capaz...”, embora a primeira frase plagiada tivesse no pente da minha mente naquele momento, coração batera mais forte do que em todas as vezes juntas que te vi chegar em casa, afinal, te via chegar de novo. Te ouvi, fria te abracei, chorastes, chorei, sorri, sorristes, subi descalça nos teus pés, te vi, senti teu pranto, ressenti o meu. Saudade se desfez um pouquinho, dia amanheceu, você e eu: lua e sol sempre lá. Perdoei, dançamos novamente. Me senti parte da tua casa outra vez, era como se o tempo tivesse parado e voltado numa noite como as nossas. Estava de volta ao meu lar, familiarizada com os móveis, a varanda, nós dois.
Ainda insegura, imatura, com medo, confiei não em mim, ou mais em ti, ou confiei, mas, em ti. Seguimos...
Entendo, hoje, que pelo fato de não estar desde o(s) início(s) recuperada e nem com preparo para o que a relação exigiria, ou mesmo o mundo, as responsabilidades, os sonhos, ansiedade para dar certo, isso soa familiar, não é? O meu encanto pela volta, me cegara e não permitira que eu saísse completamente de algo que eu estava tentando antes da volta. Talvez eu sentisse de alguma maneira não estar preparada, mas, não queria te perder de novo. Não ousei dizer um não. Disse sim pra nós, e não pra mim, primeiro.
Outra... De repente, você distante, gélido, autossuficiente, indiferente, fase nova, e a sua verdade à tona esse tempo todo aguardando eu re(velar) a minha.
Em uma fase difícil para uma volta que cerceou erros, perdão, medos, confiança, instabilidade, incertezas e realizações, você não queria estar do meu lado. Seria eu a culpada? Isso corroía. Veio a revolta, perguntas acerca do que eu teria ou não feito dessa vez. Estávamos em fases difíceis e você não queria meu apoio e atenção, então, que teor teria se só fosse para fases boas? Eu pedi tanto para irmos no Parque festivo afim de dançarmos, nos divertimos juntos, tirar foto, socializar, sermos namorados declarados, sair para o nosso forró. Desnecessários. E quando você teve a oportunidade, foi sem mim. Não compreendi, daí, em um outro momento, acredito eu depois de um dia cansativo para você...me viro e de relance te vejo chamar alguém para dançar, não quis ficar para a dança, nem mesmo vi quem seria a donzela. Deu a hora e fugi como Cinderela levando algo comigo. Hoje, percebo que se eu tivesse ficado, assemelharia-se a quando Breuer viu a sua Bertha com o jovem doutor. Mas, isso não se daria, naquele dia eu não tinha esse pensamento e foi mais fácil esquivar-me. Então, em um futuro próximo me daria conta de que você era livre.
Gestar, abortar, gestar, abortar... você só podia está de brincadeira. E pensei... Ele não percebe o que está fazendo comigo, com minha mente. Quem ele é? Fez justamente por saber quem é? Ou será que teria motivos dessa vez? Será que sempre os teve? Talvez na primeira vez você tivesse se apegado ao ciúmes como motivo principal e esquecera de algum outro, e agora encontrara fundamento nele? (Quem sabe de um outro lado você questionasse a respeito da minha não percepção referente ao que eu estava (ou não) fazendo comigo mesma). Seguiste...
Fato é que à parte o que se dá hoje, não podemos negar toda a veracidade dos sofrimentos, assim como com base no que estávamos pensando e sentindo em determinado tempo. Fomos bem verdadeiros.
"Amor"... Teria você o confundido com outra coisa? O rebaixado sem saber ou sabendo-o em função do que queria? Quem sabe teria se arrependido de tudo o que proferiu naquelas horas, todavia, vi muita sinceridade em tudo e em seu olhar e lágrimas. Então, sem uma conversa... afinal, hoje em dia, também usam Watshapp para começar e terminar "coisas". viera mais uma revolta, você havia estado aqui de madrugada, sufocado querendo me ver, falar, e esperei aquela mesma ousadia para um hoje.
Você devia ter enxergado que talvez se continuasse sem essa “pausa”, e ficasse ao meu lado, tentando direta ou indiretamente me ajudar a sair do meu mundo condicionante, eu não teria evacuado da zona de conforto. Eu, o vi como alguém que não me apoiou, deixou a menininha ao relento, tendo se virar sozinha para que finalmente eu, a mulher, pudesse ingressar na esfera da autolibertação tendo por companhia tudo o que a mim estava disponível acerca da mente humana, e aplicar a minha. Saber o caminho e não dá-lo seria usar de egoísmo? Ou és assim e a sua verdade seria não estar com alguém como eu, vivendo o seu momento, sendo sincero consigo, sem importar-se comigo, se só agiu frente a sua verdade e não há nada que eu possa fazer ou julgar. Sendo, afinal, corporificação egoísta?
Questionei o fato de você mais uma vez não souber me entender, se pôr no meu lugar, era como se não se importasse, mas, eu quem teria que me entender, achar o meu lugar, me pôr em meu lugar e me importar. Não obstante dizer que continuo acreditando no poder das relações, isso se elucida quando sei que posso ser “chave” para alguém se encontrar, como você foi comigo.
Então, tinha que ruminar sozinha, um foda-se para mim.
Li “Quando Nietzsche chorou”, preciso dizer mais alguma coisa? Sim, preciso.
Foi aí que chorei quando Niezsche chorou... eu não o tinha lido e hoje sei que você sabia que eu não o tinha feito. Quando você rompeu comigo, nunca tive coragem de abrir o livro e sentir o exalar daquele cheiro por entre as páginas. Entretanto, tendo aceito meu processo como apregoado de reflexões, aceitei o desafio, devorei-o, e você esteve comigo o tempo todo. É clara, inegável, vívida, e quase reencarnada a influência nietzscheana em sua vida, em tudo o que faz, pensa e “verdadeirencia”. Notei as causas, a forma como agia comigo, como não agia, tudo em cartas e dados expostos no tabuleiro da minha ignorância. Assim, compreendi como você é. Penso, se você só foi você o tempo todo. Livre. Mas, e as tuas questões mal resolvidas? Você não era perfeito.
Também tive que refletir sobre você a fim de saber se ou em que eu estava certa ou errada. Quando pensei sobre ti, confirmei a minha admiração pelo ser humano e homem que és, não sei se a sua libertação tenha se dado verdadeira e completamente quando após uma vida cômoda você veio para o “desconhecido”.
Quem sabe você quisesse ter as oportunidades que eu poderia ter, quanto você tinha minha idade, e eu ser segura como você, quando com a sua idade. Hoje, entendo mais a sua preocupação com emprego, estabilidade, lar e afins.
Sobre a concepção referente a gerar filhos, me impressiona ao passo de dar vida a um ser criador, elevado, imaginei alguém cônscio e feliz de suas escolhas desde as suas primeiras, retornando ao seu retorno e sendo prontamente felicitado com o que vira. O quanto não sonhei caladinha em ser mãe de Orpheu. Todavia, me felicita saber que quando ele vir para ti sei que tipo de homem será, se “depender” de você.
Você inconstante, eu insegura; você não poderia transmitir segurança uma vez oscilante, e eu, por minha vez, não podia te oferecer a minha verdade e te fazer constante.
Talvez não pudéssemos mesmo ser um do outro: você livre como uma águia, enquanto eu, tão frágil quanto um passarinho que não sabia ainda voar. Que direito, afinal, tinha eu de tocar nessas suas questões íntimas ou nos teus lábios?
Enfim, te achava tão sábio, agora sei o quão o é. Sabe a sua verdade.
Foi assim que me dei conta que homem inteligente dá trabalho, e que mulher inteligente também deva dar. Prefiro ser uma mulher inteligente e me envolver com um homem também inteligente. Vejo o quanto é difícil viver pensando sobre tudo, o quão é árduo ser um ser ativo em pensamento, o quão é triste e fascinante estar um passo a frente quando todos poderiam estar. Uma vida pensante pode ser muito mais difícil, mas, muito mais realizável.
Me intrigava como você mudava rápido de opinião sobre algumas coisas, havia proferido saudade e após um mês apenas, rompe comigo, entretanto, hoje eu sei do paradoxo de que um mês pode ser uma eternidade, e que é possível uma mudança em pouco tempo.
No livro, em tudo me vi em tanto nos vi, vi nossa vida bem ali, como se fôssemos personagens de uma obra ímpar de pares. Corajosamente reli a minha vida, atitudes, erros, acertos, e aí insegurança e fragilidade expostas na minha cara, tudo se clarificando, minhas ações, causas, consequências, escolhas, escuridão, dor, mas, também luz, e tudo o que eu ainda posso ver num eterno retorno.
Na primeira vez achei maduro ficar sem contato contigo, eu estava arrasada e queria esquecer-te. Agora, sinto que seja mais maduro desabafar por meio deste.
Não sei se te acho um filho da puta ou se o elevo por ter de forma indireta me “levado” do breu ao brio.
Ademais não me arrependo, para mim fiz parte de uma linda e épica história, e por que não tão imensa quanto à de Pórcia e Leolino? Ela será lembrada, terá sempre o seu lugar em meu retorno, e me fará feliz de alguma forma.
Melhor, dois arrependimentos: em nunca ter-me deixado conviver com você, e sim com “significados ilusórios” que a ti atribuí. Ou estaria sendo eu muito radical, pois também hei de defender que fui íntima de tuas virtudes e as conheci de perto; não ter me permitido tornar-me quem eu sou, antes, e partilhar contigo, deixando-te me conhecer. Hoje entendo o que você busca, quem você quer. E você é digno que querer ter e de ter alguém livre, pois você o é. Embora não tenhamos culpa um das projeções do outro, claro que agora surgem dúvidas quanto a você ter projetado também algo em mim, e o meu resto você não via no início e não conhecera as minhas dores. Nem eu, as suas.
Mas, e se nós não tivéssemos nos encontrado ou nos permitido? Se você não tivesse acabado daquela vez? Se não tivesse voltado? Se eu não tivesse voltado? E se essa sua nova fase não tivesse surgido? Ou a minha? Entretanto, sabemos que tantos “ses” condicionantes só ocorrem aqui e aí em nossas mentes, e que, por outro lado, só nelas podemos agora vê-los construído um destino que se deu de forma diferente e gradual, compondo o que hoje se tem. Penso se tivesse sido diferente, se nós não tivéssemos nos conhecido...E fico feliz pelas energias que buscaram uma a outra terem florescido o nosso encontro.
Se fosse para ter feito as mesmas escolhas e elas me trouxessem até aqui, as teria feito da mesma forma porque se fosse para ter te escolhido para vivermos tudo o que vivemos, a escolha teria sido de novo, um você, um nós, e a minha verdade. O que contribuira para ela? O tempo? O envelhecimento? A não morte? Um Deus? Um eu? A própria vida?
Palavras ferem, palavras curam...
Você falou que era eu a mulher da sua vida, esse título estaria entre o único do qual me honraria em toda vida pessoal ou acadêmica, sempre sonhei com um cara que quando me visse entrar ou passar, pensasse consigo: “Ela é a mulher da minha vida”. Não sei o que havia feito para isso, mas, me honrou muito.
Te perguntei se você tinha certeza que queria passar o resto da vida comigo e você teria dito sim. Nós dois sabemos que “as certeza são muito perigosas”, porém, espero ter sido inesquecível para ti em algo, plantado ou transformado, porventura ensinado algum valor, caso de algum que você não soubesse, assim, terei e terás a certeza indubitável de que isso encontrou saída e demandou de quem realmente sou. Então, de alguma forma, estarei em teu retorno.
Agradeço por contribuir de forma basilar na minha travessia, muitos estão aparados e amparados pelo seu mundo limitado. Afora objeções, entendo a sua filosofia de vida, nirvana e amor a sua verdade. E que meu mundo restrito me perdoe, mas, a visão daqui de fora é muito mais bonita. Quando se prova da liberdade, não podemos julgar aquele que a tem ou a quer ter, então, salva toda mágoa, o não dito, o dito também, as lágrimas, seria indigno não reconhecer a sua importância na minha vida. Sinta-se engrandecido por isso, infle seu ego, não porque desperta tesão em alguma buceta, não por ter pique todo dia para o “papelzinho”, ou não fazer no mínimo um gol em uma partida de futebol, não só por ter amigos de verdade com quem pode contar quando a grana apertar. Sinta-se por isso.
Não quero dizer que você estava completamente certo, mas, que você não estava totalmente errado, entretanto, me arrisco em exposição em te fazer pensar sobre questões que porventura você "pudesse" não ter pensado, peço desculpas por interpretações errôneas, mas, não há um porquê de eu omitir nada daqui. Essa é a minha verdade e o meu alívio se configura em partilhá-la contigo. Seguir.
P.S.1: Você disse estar desempregado, sentado em uma mesa no Café Poético, perdido. Um dia pensei em que daria muito para ter te encontrado ao acaso naquele dia, mesmo sem conhecer-te, te levaria para casa.
P.S.2: Pensei em te dar a vitrola sem revelar que eu a tinha dado, pois sonhei em entrar no teu apartamento um dia e você me mostrá-la e comentar tê-la ganho de aniversário, e eu, bem ladina te diria que o sabia.
P.S.3: Espero que um dia se eu bater em sua porta, você pergunte: Quem é? Mas, eu bateria mesmo em sua porta?
P.S.4: Te agradeço por todos os foras ásperos recebidos.
F.T.
Depois de ter você, para que querer saber se estamos no verão?
Não escolhi o ambiente do qual eu sabia ser frequentado por homens mais apresentáveis, ou o mais badalado, nem tampouco mais favorável para algum tipo de flerte. Entretanto, impossível não rastrear algum olhar que porventura me olhasse, repentinamente, ergui a visão e vi alguém que a mim não viu, enxerguei de antemão uma das mãos nas costas da dama a apoiar e a outra a conduzi-la pelo salão ao som de um forró módico, fitei passos que não desvairados eram firmes, brilhos nos olhos equivalentes ao de pó de estrelas ou simples purpurina, avistei um sorriso que como de súbito desejei que pousasse no meu e aquele desejo pareceu-me familiar. Era você. E, depois, o pedido com o qual tanto sonhei: ”Dança comigo?”. Pousei a cabeça por sobre teu ombro, me senti desvelada, me senti sua por um momento, deixei que a amiga fiel partisse, porque no calor do teu peito suado e desconhecido já confiava. Cravei-me. Cravou-me.
Como me pareceu estranho o ato de conversar, me perguntei quando havia me perdido disso e aceito cantadas baratas e beijos fáceis, pois, há muito tempo não tinha estado com um homem como você. O fato é que, devido a isso não estava acostumada, e me deixando levar por isso, deu a hora e fugi como Cinderela, deixando algo contigo. Quem sabe um pouco de mim por enxergar algo de mim em você. Só que daquilo queria mais prova e de ti provar mais: do mistério ser conhecedora; das rugas, curiosa; do sorriso, o motivo; da filosofia, o interesse; de você, sabê-lo.
Não conseguia me entregar completamente e ser intensa em uma transa há tempos, usar de completa sensualidade, ou ser uma outra usando mais de “assanhamento”, quem sabe essa não seria eu mesma. Às vezes era assim que me imaginava ou oscilando sendo o mais carinhosa possível, custasse aquilo ou não uma só noite. Quem estaria com a casta e quem com a descarada? Quem estaria com as duas? (Ou) Quem realmente estaria comigo? Mas, eu também não ia sair por aí dando para qualquer um que quisesse, venhamos e convenhamos. Porém, reinava a insegurança da ilusão de não haver um outro dia, uma outra vez. Mas, por que haveria de haver? E por que não haveria de haver? Por que negar a intensidade no momento real e atual, vislumbrando um amanhã “inexistente”? Temor, talvez de vivenciar uma perda, quando a maior perdida era eu. Por que então não me entregar a um homem tão diferente de todos com quais estive? Seria eu puritana? Frígida? Santa? Biscate em disfarce? Não, eu diria covarde. E se eu não me soltava por inteira, por que seria finalmente você? Logo mais, a invasão de uma miscelânea com pensamentos e sentimentos de querer ser tua num altar com folhas de bambu e mar à vista imbuía o mistério de um homem que eu também não sabia quem era. Segui...
Inevitável não dar uma borrifada do teu perfume no pulso antes de partir, impulsivo e impossível não correr no instante do abrir de olhos no anseio por ler e saber o que havia em um novo bilhete fresco. Teriam novas descobertas sobre um ti, um mim e um nós. Nossas músicas, refeições, conversas, caminhadas, transas, carequices e caretices, abraços, filmes, fds, e tantos nossos. Sua família. Minha família. Nosso Natal. Os fogos reluzentes saindo do teu e do meu coração projetados acima do mar competindo com o brilhar da lua em um dia “qualquer”. Eu fui tua, foste meu, entre pedras e mar, ar e risco, e sendo luz trancados ante a escuridão. Saboreamos um ao outro, escondidos, sedentos, saciados. No mundo só nós dois. Sonhos esperando em um pedaço de papel. Seguimos...
Imaturidade, escolhas erradas. O estado de apaixonamento me deixara completamente vulnerável, teria eu encontrado aquele com quem tanto sonhei? E teria eu condições de mantê-lo? Coragem de escancarar a janela da alma para alguém que não podia e nem devia, por não poder, dar certezas de que permaneceria comigo?
Uma... Não entendia o porquê do término, nem a sua frieza ao tratar do assunto e da relação, de forma tão supérflua, precoce e insípida, nem tampouco os motivos, uma vez que você também tinha defeitos. A forma simples como tratara um “rompimento”, o fim de alguma etapa, não sabia se isso era genialmente invejável ou estupidamente insensível. Estava na sua cama, e com medo de você não ficar comigo, em breve eu estaria na sua e você com medo de que eu não ficasse com você. No final, alguém ficou com alguém? Ou nunca nos deixamos?
Meu chão caiu, mais não existia chão. Imergi no meu “mundinho” mais ainda. Você tinha rompido comigo sem me dar os motivos plausíveis, sem uma conversa. Afinal, hoje em dia, também usam Watshapp para começar e terminar "coisas". Assim, rápida e bruscamente, aquele por quem eu teria idealizado meus sonhos de menina, e comigo queria casar quando me comia dizendo, partiu e me partiu.
Dias e noites em claro, choro pelos cantos, flash de tudo, bilhetes empilhados, músicas sem tom, melancolia nas melodias, dor, tristeza, solidão e tensão, desespero, desânimo, faltas e fotos, mensagens, saudade, raiva, angústia, ódio, lembranças, tempo atemporal, olheiras, corpo esguio, penumbra, lua sem brilho, a estrela mais forte a olhar meu pranto: tio João, casa suja, bagunça, restos de comida, geladeira vazia, acordar um tormento, que viver eu teria, mas, eu teria que viver. Embora as não tivessem sido clarificadas com veemência, o conheci bem decidido, não quis tentar uma volta por achar não ter argumentos contra você, pois era sua verdade e “não haveria muito o que fazer”, todavia, me perguntara qual seria a sua verdade e se ela seria verdade. Segui...
Dilacerada, resolvi esquecer-te, e ainda imersa nesse processo, eis que me surge alguém: você. Daí, pensei que quisesse saber como eu estava para dar uma de preocupado e solidário pela minha dor que doía sem saber por quê. Logo mais fiquei extasiada em saber que eu estivera certa e que você haveria engolido o seu orgulho embebecido com H2oh.
“Do que o ser humano não é capaz...”, embora a primeira frase plagiada tivesse no pente da minha mente naquele momento, coração batera mais forte do que em todas as vezes juntas que te vi chegar em casa, afinal, te via chegar de novo. Te ouvi, fria te abracei, chorastes, chorei, sorri, sorristes, subi descalça nos teus pés, te vi, senti teu pranto, ressenti o meu. Saudade se desfez um pouquinho, dia amanheceu, você e eu: lua e sol sempre lá. Perdoei, dançamos novamente. Me senti parte da tua casa outra vez, era como se o tempo tivesse parado e voltado numa noite como as nossas. Estava de volta ao meu lar, familiarizada com os móveis, a varanda, nós dois.
Ainda insegura, imatura, com medo, confiei não em mim, ou mais em ti, ou confiei, mas, em ti. Seguimos...
Entendo, hoje, que pelo fato de não estar desde o(s) início(s) recuperada e nem com preparo para o que a relação exigiria, ou mesmo o mundo, as responsabilidades, os sonhos, ansiedade para dar certo, isso soa familiar, não é? O meu encanto pela volta, me cegara e não permitira que eu saísse completamente de algo que eu estava tentando antes da volta. Talvez eu sentisse de alguma maneira não estar preparada, mas, não queria te perder de novo. Não ousei dizer um não. Disse sim pra nós, e não pra mim, primeiro.
Outra... De repente, você distante, gélido, autossuficiente, indiferente, fase nova, e a sua verdade à tona esse tempo todo aguardando eu re(velar) a minha.
Em uma fase difícil para uma volta que cerceou erros, perdão, medos, confiança, instabilidade, incertezas e realizações, você não queria estar do meu lado. Seria eu a culpada? Isso corroía. Veio a revolta, perguntas acerca do que eu teria ou não feito dessa vez. Estávamos em fases difíceis e você não queria meu apoio e atenção, então, que teor teria se só fosse para fases boas? Eu pedi tanto para irmos no Parque festivo afim de dançarmos, nos divertimos juntos, tirar foto, socializar, sermos namorados declarados, sair para o nosso forró. Desnecessários. E quando você teve a oportunidade, foi sem mim. Não compreendi, daí, em um outro momento, acredito eu depois de um dia cansativo para você...me viro e de relance te vejo chamar alguém para dançar, não quis ficar para a dança, nem mesmo vi quem seria a donzela. Deu a hora e fugi como Cinderela levando algo comigo. Hoje, percebo que se eu tivesse ficado, assemelharia-se a quando Breuer viu a sua Bertha com o jovem doutor. Mas, isso não se daria, naquele dia eu não tinha esse pensamento e foi mais fácil esquivar-me. Então, em um futuro próximo me daria conta de que você era livre.
Gestar, abortar, gestar, abortar... você só podia está de brincadeira. E pensei... Ele não percebe o que está fazendo comigo, com minha mente. Quem ele é? Fez justamente por saber quem é? Ou será que teria motivos dessa vez? Será que sempre os teve? Talvez na primeira vez você tivesse se apegado ao ciúmes como motivo principal e esquecera de algum outro, e agora encontrara fundamento nele? (Quem sabe de um outro lado você questionasse a respeito da minha não percepção referente ao que eu estava (ou não) fazendo comigo mesma). Seguiste...
Fato é que à parte o que se dá hoje, não podemos negar toda a veracidade dos sofrimentos, assim como com base no que estávamos pensando e sentindo em determinado tempo. Fomos bem verdadeiros.
"Amor"... Teria você o confundido com outra coisa? O rebaixado sem saber ou sabendo-o em função do que queria? Quem sabe teria se arrependido de tudo o que proferiu naquelas horas, todavia, vi muita sinceridade em tudo e em seu olhar e lágrimas. Então, sem uma conversa... afinal, hoje em dia, também usam Watshapp para começar e terminar "coisas". viera mais uma revolta, você havia estado aqui de madrugada, sufocado querendo me ver, falar, e esperei aquela mesma ousadia para um hoje.
Você devia ter enxergado que talvez se continuasse sem essa “pausa”, e ficasse ao meu lado, tentando direta ou indiretamente me ajudar a sair do meu mundo condicionante, eu não teria evacuado da zona de conforto. Eu, o vi como alguém que não me apoiou, deixou a menininha ao relento, tendo se virar sozinha para que finalmente eu, a mulher, pudesse ingressar na esfera da autolibertação tendo por companhia tudo o que a mim estava disponível acerca da mente humana, e aplicar a minha. Saber o caminho e não dá-lo seria usar de egoísmo? Ou és assim e a sua verdade seria não estar com alguém como eu, vivendo o seu momento, sendo sincero consigo, sem importar-se comigo, se só agiu frente a sua verdade e não há nada que eu possa fazer ou julgar. Sendo, afinal, corporificação egoísta?
Questionei o fato de você mais uma vez não souber me entender, se pôr no meu lugar, era como se não se importasse, mas, eu quem teria que me entender, achar o meu lugar, me pôr em meu lugar e me importar. Não obstante dizer que continuo acreditando no poder das relações, isso se elucida quando sei que posso ser “chave” para alguém se encontrar, como você foi comigo.
Então, tinha que ruminar sozinha, um foda-se para mim.
Li “Quando Nietzsche chorou”, preciso dizer mais alguma coisa? Sim, preciso.
Foi aí que chorei quando Niezsche chorou... eu não o tinha lido e hoje sei que você sabia que eu não o tinha feito. Quando você rompeu comigo, nunca tive coragem de abrir o livro e sentir o exalar daquele cheiro por entre as páginas. Entretanto, tendo aceito meu processo como apregoado de reflexões, aceitei o desafio, devorei-o, e você esteve comigo o tempo todo. É clara, inegável, vívida, e quase reencarnada a influência nietzscheana em sua vida, em tudo o que faz, pensa e “verdadeirencia”. Notei as causas, a forma como agia comigo, como não agia, tudo em cartas e dados expostos no tabuleiro da minha ignorância. Assim, compreendi como você é. Penso, se você só foi você o tempo todo. Livre. Mas, e as tuas questões mal resolvidas? Você não era perfeito.
Também tive que refletir sobre você a fim de saber se ou em que eu estava certa ou errada. Quando pensei sobre ti, confirmei a minha admiração pelo ser humano e homem que és, não sei se a sua libertação tenha se dado verdadeira e completamente quando após uma vida cômoda você veio para o “desconhecido”.
Quem sabe você quisesse ter as oportunidades que eu poderia ter, quanto você tinha minha idade, e eu ser segura como você, quando com a sua idade. Hoje, entendo mais a sua preocupação com emprego, estabilidade, lar e afins.
Sobre a concepção referente a gerar filhos, me impressiona ao passo de dar vida a um ser criador, elevado, imaginei alguém cônscio e feliz de suas escolhas desde as suas primeiras, retornando ao seu retorno e sendo prontamente felicitado com o que vira. O quanto não sonhei caladinha em ser mãe de Orpheu. Todavia, me felicita saber que quando ele vir para ti sei que tipo de homem será, se “depender” de você.
Você inconstante, eu insegura; você não poderia transmitir segurança uma vez oscilante, e eu, por minha vez, não podia te oferecer a minha verdade e te fazer constante.
Talvez não pudéssemos mesmo ser um do outro: você livre como uma águia, enquanto eu, tão frágil quanto um passarinho que não sabia ainda voar. Que direito, afinal, tinha eu de tocar nessas suas questões íntimas ou nos teus lábios?
Enfim, te achava tão sábio, agora sei o quão o é. Sabe a sua verdade.
Foi assim que me dei conta que homem inteligente dá trabalho, e que mulher inteligente também deva dar. Prefiro ser uma mulher inteligente e me envolver com um homem também inteligente. Vejo o quanto é difícil viver pensando sobre tudo, o quão é árduo ser um ser ativo em pensamento, o quão é triste e fascinante estar um passo a frente quando todos poderiam estar. Uma vida pensante pode ser muito mais difícil, mas, muito mais realizável.
Me intrigava como você mudava rápido de opinião sobre algumas coisas, havia proferido saudade e após um mês apenas, rompe comigo, entretanto, hoje eu sei do paradoxo de que um mês pode ser uma eternidade, e que é possível uma mudança em pouco tempo.
No livro, em tudo me vi em tanto nos vi, vi nossa vida bem ali, como se fôssemos personagens de uma obra ímpar de pares. Corajosamente reli a minha vida, atitudes, erros, acertos, e aí insegurança e fragilidade expostas na minha cara, tudo se clarificando, minhas ações, causas, consequências, escolhas, escuridão, dor, mas, também luz, e tudo o que eu ainda posso ver num eterno retorno.
Na primeira vez achei maduro ficar sem contato contigo, eu estava arrasada e queria esquecer-te. Agora, sinto que seja mais maduro desabafar por meio deste.
Não sei se te acho um filho da puta ou se o elevo por ter de forma indireta me “levado” do breu ao brio.
Ademais não me arrependo, para mim fiz parte de uma linda e épica história, e por que não tão imensa quanto à de Pórcia e Leolino? Ela será lembrada, terá sempre o seu lugar em meu retorno, e me fará feliz de alguma forma.
Melhor, dois arrependimentos: em nunca ter-me deixado conviver com você, e sim com “significados ilusórios” que a ti atribuí. Ou estaria sendo eu muito radical, pois também hei de defender que fui íntima de tuas virtudes e as conheci de perto; não ter me permitido tornar-me quem eu sou, antes, e partilhar contigo, deixando-te me conhecer. Hoje entendo o que você busca, quem você quer. E você é digno que querer ter e de ter alguém livre, pois você o é. Embora não tenhamos culpa um das projeções do outro, claro que agora surgem dúvidas quanto a você ter projetado também algo em mim, e o meu resto você não via no início e não conhecera as minhas dores. Nem eu, as suas.
Mas, e se nós não tivéssemos nos encontrado ou nos permitido? Se você não tivesse acabado daquela vez? Se não tivesse voltado? Se eu não tivesse voltado? E se essa sua nova fase não tivesse surgido? Ou a minha? Entretanto, sabemos que tantos “ses” condicionantes só ocorrem aqui e aí em nossas mentes, e que, por outro lado, só nelas podemos agora vê-los construído um destino que se deu de forma diferente e gradual, compondo o que hoje se tem. Penso se tivesse sido diferente, se nós não tivéssemos nos conhecido...E fico feliz pelas energias que buscaram uma a outra terem florescido o nosso encontro.
Se fosse para ter feito as mesmas escolhas e elas me trouxessem até aqui, as teria feito da mesma forma porque se fosse para ter te escolhido para vivermos tudo o que vivemos, a escolha teria sido de novo, um você, um nós, e a minha verdade. O que contribuira para ela? O tempo? O envelhecimento? A não morte? Um Deus? Um eu? A própria vida?
Palavras ferem, palavras curam...
Você falou que era eu a mulher da sua vida, esse título estaria entre o único do qual me honraria em toda vida pessoal ou acadêmica, sempre sonhei com um cara que quando me visse entrar ou passar, pensasse consigo: “Ela é a mulher da minha vida”. Não sei o que havia feito para isso, mas, me honrou muito.
Te perguntei se você tinha certeza que queria passar o resto da vida comigo e você teria dito sim. Nós dois sabemos que “as certeza são muito perigosas”, porém, espero ter sido inesquecível para ti em algo, plantado ou transformado, porventura ensinado algum valor, caso de algum que você não soubesse, assim, terei e terás a certeza indubitável de que isso encontrou saída e demandou de quem realmente sou. Então, de alguma forma, estarei em teu retorno.
Agradeço por contribuir de forma basilar na minha travessia, muitos estão aparados e amparados pelo seu mundo limitado. Afora objeções, entendo a sua filosofia de vida, nirvana e amor a sua verdade. E que meu mundo restrito me perdoe, mas, a visão daqui de fora é muito mais bonita. Quando se prova da liberdade, não podemos julgar aquele que a tem ou a quer ter, então, salva toda mágoa, o não dito, o dito também, as lágrimas, seria indigno não reconhecer a sua importância na minha vida. Sinta-se engrandecido por isso, infle seu ego, não porque desperta tesão em alguma buceta, não por ter pique todo dia para o “papelzinho”, ou não fazer no mínimo um gol em uma partida de futebol, não só por ter amigos de verdade com quem pode contar quando a grana apertar. Sinta-se por isso.
Não quero dizer que você estava completamente certo, mas, que você não estava totalmente errado, entretanto, me arrisco em exposição em te fazer pensar sobre questões que porventura você "pudesse" não ter pensado, peço desculpas por interpretações errôneas, mas, não há um porquê de eu omitir nada daqui. Essa é a minha verdade e o meu alívio se configura em partilhá-la contigo. Seguir.
P.S.1: Você disse estar desempregado, sentado em uma mesa no Café Poético, perdido. Um dia pensei em que daria muito para ter te encontrado ao acaso naquele dia, mesmo sem conhecer-te, te levaria para casa.
P.S.2: Pensei em te dar a vitrola sem revelar que eu a tinha dado, pois sonhei em entrar no teu apartamento um dia e você me mostrá-la e comentar tê-la ganho de aniversário, e eu, bem ladina te diria que o sabia.
P.S.3: Espero que um dia se eu bater em sua porta, você pergunte: Quem é? Mas, eu bateria mesmo em sua porta?
P.S.4: Te agradeço por todos os foras ásperos recebidos.
F.T.
Depois de ter você, para que querer saber se estamos no verão?
sexta-feira, 26 de julho de 2019
Revelação - Chantal Castelli
Tento decifrar
uma foto que não há:
ao lado da janela meu pai
e eu
e nosso reflexo no vidro
de uma tarde morta.
O retrato impossível me fita,
imagem-lembrança de desejo,
provando mudo
que o que resta
não é jamais o uso
dos melhores sonhos,
mas apenas a ideia
viajando na carne:
os pés sobre os quais não dancei,
a mão que não retive,
os lábios que não marcaram minha face.
Somente o olhar
espiritual-imperfeito
alcança-me agora
dessa tarde morta
e sem registro.
uma foto que não há:
ao lado da janela meu pai
e eu
e nosso reflexo no vidro
de uma tarde morta.
O retrato impossível me fita,
imagem-lembrança de desejo,
provando mudo
que o que resta
não é jamais o uso
dos melhores sonhos,
mas apenas a ideia
viajando na carne:
os pés sobre os quais não dancei,
a mão que não retive,
os lábios que não marcaram minha face.
Somente o olhar
espiritual-imperfeito
alcança-me agora
dessa tarde morta
e sem registro.
Frase - Alessandro Brito
Você começa a viver verdadeiramente, quando atingi o nível de não ter que provar nada a ninguém, nem a você mesmo.
Favela - Alessandro Brito
Seria como eu dizer que alguém tem LEPRA, essa palavra tem um peso histórico (bíblico) muito negativo também, mas se eu tratá-la como HANSENÍASE fica ameno e muitos nem saberão do que se trata.
A questão é simples, o ESTADO banca a mídia e faz o FAVELADO ter orgulho da COMUNIDADE (lugar bom e agradável, só que não) e aceitar aquelas condições (muitas vezes subumana) de falta total de infraestrutura, assim o FAVELADO passa a ter orgulho da "QUEBRADA" da "COMUNIDADE" e o ESTADO se isenta da responsabilidade de urbanizar as favelas, vendendo a ideia que lá e maravilhoso.
É tão bizarro que tiveram a capacidade de instalar TELEFÉRICO em algumas favelas, morro Alemão e Providência no Rio de Janeiro.
Tem que ter orgulho sim, dos valores que aprendemos nela, a favela sempre foi absurdamente mais humana que os outros bairros, orgulho dos infinitos exemplos de superação e dignidade, honra e caráter, dos mais velhos, muitos tem uma história ilibada que foram e são nossos referentes. Agora, orgulho do lugar físico jamais, o ESTADO tem o dever de prover moradia digna (no sentido de infraestrutura).
A vida é diferente da ponte pra cá! Favela, todo meu respeito por ela.
quarta-feira, 24 de julho de 2019
Frase - Friedrich Nieztsche
“Eu sou vários! Há multidões em mim. Na mesa de minha alma sentam-se muitos, e eu sou todos eles. Há um velho, uma criança, um sábio, um tolo. Você nunca saberá com quem está sentado ou quanto tempo permanecerá com cada um de mim. Mas prometo que, se nos sentarmos à mesa, nesse ritual sagrado eu lhe entregarei ao menos um dos tantos que sou, e correrei os riscos de estarmos juntos no mesmo plano. Desde logo, evite ilusões: também tenho um lado mau, ruim, que tento manter preso e que quando se solta me envergonha. Não sou santo, nem exemplo, infelizmente. Entre tantos, um dia me descubro, um dia serei eu mesmo, definitivamente. Como já foi dito: ouse conquistar a ti mesmo.”
Negro Prison Songs - Alan Lomax
01 - Black Woman (0:00)
02 - Duckin' And Dodgin' (3:04)
03 - Early In The Mornin' (6:39)
04 - How I Got In The Penitentiary (11:20)
05 - It Makes A Long Time Man Feel Bad (12:44)
06 - Jumpin' Judy (15:25)
07 - Levee Camp Holler (19:36)
08 - Lonesome Blues (22:27)
09 - Murder's Home (25:58)
10 - My Baby Got To Go (26:48)
11 - No More, My Lawd (30:11)
12 - Old Alabama (32:21)
13 - Old Dollar Mamie (35:24)
14 - Penitentiary Blues (38:49)
15 - Prettiest Train (41:13)
16 - Prison Blues (44:56)
17 - Rock Me Mama (47:18)
18 - Rosie (50:52)
19 - Stackerlee (53:43)
20 - Tangle Eye Blues (57:48)
21 - They'll Miss Me When I'm Gone (1:00:56)
22 - What Makes A Work Song Leader (1:03:56)
23 - Whoa, Buck (1:06:02)
segunda-feira, 22 de julho de 2019
Prepara-te para a vida! - Huberto Rohden (do livro De Alma para Alma)
"Prepara-te para a vida!"
Disseste-me, alma amiga, que a grande tarefa da sua vida era preprara-te para a morte.
Que só desejavas uma boa morte, e nada mais.
Se pensaste as direitas, falaste as avessas.
Tu, que tem saúde, inteligência, preparo,
Tu, que vives a primavera da vida,
Tu, que entras no mundo de braços abertos,
Tu, que inicias a grande viagem,
Não deves falar em preparar-te para a morte, prepara-te para a vida!
Não sabes que a morte é o corolário da vida?
Ignoras que morrer, é o eco do viver?
Como podia ser má a tua morte se boa foi tua vida?
Receias a morte tal qual negro fantasma?
Porque hesitaria a fruta madura em desprender-se da haste?
Porque se despenderia com dor o que amadureceu com amor?
Não te prepares para desapegar-te da árvore...
Vive como deves, e será espontâneo e natural o teu desapego...
Não morras antes de viver, não faças o segundo antes do primeiro!
Não faças a causa depender do efeito!
Não penses no sono noturno, antes de entregar-te aos labores diurnos!
Não chores ao acaso, antes do sorriso da aurora!
Enche de grandes tesouros a barquinha da tua vida, e entra contente nas águas do porto!
Semeia mãos cheias de áureos cereais, e recolhe farta messe de fruto maduro!
Carrega de flores a primavera da vida, para que de frutos te carregue o outono da morte!
Prepara-te para a morte, enriquecendo tua vida!
A morte não faz o que a vida não fez, colhe-te como és.
A morte não retoca tua alma, revela apenas o que a vida fotografou.
Sombras e luzes, boas e más perspectivas,...
Revela ás claras o que ás escuras diziam imagens latentes...
Eternamente serás o que em tempo a vida te fez...
Prepara-te, pois, para a vida, e a morte dirá o que foi tua vida...
Fazes da vida uma sementeira do bem, e será a morte uma colheita de felicidade...
Liberta o espírito das algemas do ego, e a morte te levará ao seio de Deus.
A vida eterna...
Ao amor imortal...
Disseste-me, alma amiga, que a grande tarefa da sua vida era preprara-te para a morte.
Que só desejavas uma boa morte, e nada mais.
Se pensaste as direitas, falaste as avessas.
Tu, que tem saúde, inteligência, preparo,
Tu, que vives a primavera da vida,
Tu, que entras no mundo de braços abertos,
Tu, que inicias a grande viagem,
Não deves falar em preparar-te para a morte, prepara-te para a vida!
Não sabes que a morte é o corolário da vida?
Ignoras que morrer, é o eco do viver?
Como podia ser má a tua morte se boa foi tua vida?
Receias a morte tal qual negro fantasma?
Porque hesitaria a fruta madura em desprender-se da haste?
Porque se despenderia com dor o que amadureceu com amor?
Não te prepares para desapegar-te da árvore...
Vive como deves, e será espontâneo e natural o teu desapego...
Não morras antes de viver, não faças o segundo antes do primeiro!
Não faças a causa depender do efeito!
Não penses no sono noturno, antes de entregar-te aos labores diurnos!
Não chores ao acaso, antes do sorriso da aurora!
Enche de grandes tesouros a barquinha da tua vida, e entra contente nas águas do porto!
Semeia mãos cheias de áureos cereais, e recolhe farta messe de fruto maduro!
Carrega de flores a primavera da vida, para que de frutos te carregue o outono da morte!
Prepara-te para a morte, enriquecendo tua vida!
A morte não faz o que a vida não fez, colhe-te como és.
A morte não retoca tua alma, revela apenas o que a vida fotografou.
Sombras e luzes, boas e más perspectivas,...
Revela ás claras o que ás escuras diziam imagens latentes...
Eternamente serás o que em tempo a vida te fez...
Prepara-te, pois, para a vida, e a morte dirá o que foi tua vida...
Fazes da vida uma sementeira do bem, e será a morte uma colheita de felicidade...
Liberta o espírito das algemas do ego, e a morte te levará ao seio de Deus.
A vida eterna...
Ao amor imortal...
sexta-feira, 19 de julho de 2019
O Meu Nirvana - Augusto dos Anjos
No alheamento da obscura forma humana,
De que, pensando, me desencarcero,
Foi que eu, num grito de emoção, sincero
Encontrei, afinal, o meu Nirvana!
Nessa manumissão schopenhauereana,
Onde a Vida do humano aspecto fero
Se desarraiga, eu, feito força, impero
Na imanência da Ideia Soberana!
Destruída a sensação que oriunda fora
Do tato - ínfima antena aferidora
Destas tegumentárias mãos plebeias -
Gozo o prazer, que os anos não carcomem,
De haver trocado a minha forma de homem
Pela imortalidade das Ideias!
De que, pensando, me desencarcero,
Foi que eu, num grito de emoção, sincero
Encontrei, afinal, o meu Nirvana!
Nessa manumissão schopenhauereana,
Onde a Vida do humano aspecto fero
Se desarraiga, eu, feito força, impero
Na imanência da Ideia Soberana!
Destruída a sensação que oriunda fora
Do tato - ínfima antena aferidora
Destas tegumentárias mãos plebeias -
Gozo o prazer, que os anos não carcomem,
De haver trocado a minha forma de homem
Pela imortalidade das Ideias!
Vieste - Ivan Lins
Vieste na hora exata
Com ares de festa
E luas de prata
Vieste com encantos, vieste
Com beijos silvestres
Colhidos prá mim
Vieste com a natureza
Com as mãos camponesas
Plantadas em mim
Vieste com a cara e a coragem
Com malas, viagens
Prá dentro de mim
Meu amor
Vieste a hora e a tempo
Soltando meus barcos
E velas ao vento
Vieste me dando alento
Me olhando por dentro
Velando por mim
Vieste de olhos fechados
Num dia marcado
Sagrado prá mim
Vieste com a cara e a coragem
Com malas, viagens
Prá dentro de mim.
Com ares de festa
E luas de prata
Vieste com encantos, vieste
Com beijos silvestres
Colhidos prá mim
Vieste com a natureza
Com as mãos camponesas
Plantadas em mim
Vieste com a cara e a coragem
Com malas, viagens
Prá dentro de mim
Meu amor
Vieste a hora e a tempo
Soltando meus barcos
E velas ao vento
Vieste me dando alento
Me olhando por dentro
Velando por mim
Vieste de olhos fechados
Num dia marcado
Sagrado prá mim
Vieste com a cara e a coragem
Com malas, viagens
Prá dentro de mim.
Ecos da Alma - Augusto dos Anjos
Oh! madrugada de ilusões, santíssima,
Sombra perdida lá do meu Passado,
Vinde entornar a clâmide puríssima
Da luz que fulge no ideal sagrado!
Longe das tristes noites tumulares
Quem me dera viver entre quimeras,
Por entre o resplendor das Primaveras
Oh! madrugada azul dos meus sonhares.
Mas quando vibrar a última balada
Da tarde e se calar a passarada
Na bruma sepulcral que o céu embaça
Quem me dera morrer então risonho
Fitando a nebulosa do meu sonho
E a Via-Láctea da Ilusão que passa!
Sombra perdida lá do meu Passado,
Vinde entornar a clâmide puríssima
Da luz que fulge no ideal sagrado!
Longe das tristes noites tumulares
Quem me dera viver entre quimeras,
Por entre o resplendor das Primaveras
Oh! madrugada azul dos meus sonhares.
Mas quando vibrar a última balada
Da tarde e se calar a passarada
Na bruma sepulcral que o céu embaça
Quem me dera morrer então risonho
Fitando a nebulosa do meu sonho
E a Via-Láctea da Ilusão que passa!
Música - Santa Marta (Duas semanas no morro)
Vai embora tristeza
Hoje não é o seu dia
Vai sentar em outra mesa
Já paguei sua despesa
Hoje eu quero alegria
Já lhe aturei o ano inteiro
De janeiro a janeiro você comigo morou
Hoje entre em nós tudo acabou
Vai embora tristeza que alegria voltou.
Hoje não é o seu dia
Vai sentar em outra mesa
Já paguei sua despesa
Hoje eu quero alegria
Já lhe aturei o ano inteiro
De janeiro a janeiro você comigo morou
Hoje entre em nós tudo acabou
Vai embora tristeza que alegria voltou.
O Bicho - Manuel Bandeira
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
Nos Teus Olhos - João Nogueira
Sonhei que eu pudesse me perder
Eternamente nos teus olhos
Te beijar, viu
Te brigar, sim
Te querer
Num até morrer
Eu sei que ultimamente
Já nem cuido do meu corpo
Ando meio morto
Já nem sei de mim
Mas, nem vem amor
Que isso seja o fim
A vida é um samba difícil
De se acompanhar
Ferida é coisa doída
Da gente curar
Amor que é de casa e comida
Não é o nosso caso
Nem nunca será
Pois quando eu te vejo, querida
Eu volto a sonhar.
Eternamente nos teus olhos
Te beijar, viu
Te brigar, sim
Te querer
Num até morrer
Eu sei que ultimamente
Já nem cuido do meu corpo
Ando meio morto
Já nem sei de mim
Mas, nem vem amor
Que isso seja o fim
A vida é um samba difícil
De se acompanhar
Ferida é coisa doída
Da gente curar
Amor que é de casa e comida
Não é o nosso caso
Nem nunca será
Pois quando eu te vejo, querida
Eu volto a sonhar.
quinta-feira, 18 de julho de 2019
Site - Prime Cursos
https://www.primecursos.com.br/
Seja bem-vindo(a) ao Portal PRIME Cursos Online – Cursos gratuitos com certificado de conclusão válido para: atividades extracurriculares, avaliações de empresas, provas de títulos, concursos públicos, enriquecer o seu currículo e muito mais!
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O medo e a falta - Ronaldo Cunha Lima
Você me faz medo,
mas você me faz falta.
A diferença entre o medo e a falta
é que o medo você sabe quando tem,
e na falta você sente que não tem.
A falta, com o medo, sobressalta.
Entre o medo que você me traz
e a falta que você me faz,
você é o medo que me falta.
mas você me faz falta.
A diferença entre o medo e a falta
é que o medo você sabe quando tem,
e na falta você sente que não tem.
A falta, com o medo, sobressalta.
Entre o medo que você me traz
e a falta que você me faz,
você é o medo que me falta.
quarta-feira, 17 de julho de 2019
O Enterro do Sinhô - Manuel Bandeira
J. B. SILVA, o popular Sinhô dos mais deliciosos sambas cariocas, era um desses homens que ainda morrendo da morte mais natural deste mundo dão a todos a impressão de que morreram de acidente. Zeca Patrocínio, que o adorava e com quem ele tinha grandes afinidades de temperamento, era assim também: descarnado, lívido, frangalho de gente, mas sempre fagueiro, vivaz, agilíssimo, dir-se-ia um moribundo galvanizado provisoriamente para uma farra. Que doença era a sua? Parecia um tísico nas últimas. Diziam que tinha muita sífilis. Certamente o rim estava em pantanas. Fígado escangalhado. Ouvia-se de vez em quando que o Zeca estava morrendo. Ora em Paris, ora em Todos os Santos, subúrbio da Central. E de repente, na Avenida, a gente encontrava o Zeca às três da madrugada, de smoking, no auge da excitação e da verve. Assim me aconteceu uma vez, e o que o punha tão excitado naquela ocasião era precisamente a última marcha carnavalesca de Sinhô, o famoso Claudionor...
que pra sustentar família
foi bancar o estivador...
Me apresentaram a Sinhô na câmara-ardente do Zeca. Foi na pobre nave da igreja dos pretos do Rosário. Sinhô tinha passado o dia ali, era mais de meia-noite, ia passar a noite ali e não parava de evocar a figura do amigo extinto, contava aventuras comuns, espinafrava tudo quanto era músico e poeta, estava danado naquela época com o Vila e o Catulo, poeta era ele, músico era ele. Que língua desgraçada! Que vaidade! mas a gente não podia deixar de gostar dele desde logo, pelo menos os que são sensíveis ao sabor da qualidade carioca. O que há de mais povo e de mais carioca tinha em Sinhô a sua personificação mais típica, mais genuína e mais profunda. De quando em quando, no meio de uma porção de toadas que todas eram camaradas e frescas como as manhãs dos nossos suburbiozinhos humildes, vinha de Sinhô um samba definitivo, um Claudionor, um Jura, com um "beijo puro na catedral do amor", enfim uma dessas coisas incríveis que pareciam descer dos morros lendários da cidade, Favela, Salgueiro, Mangueira, São Carlos, fina-flor extrema da malandragem carioca mais inteligente e mais heróica... Sinhô!
Ele era o traço mais expressivo ligando os poetas, os artistas, a sociedade fina e culta às camadas profundas da ralé urbana. Daí a fascinação que despertava em toda a gente quando levado a um salão.
Vi-o pela última vez em casa de Álvaro Moreyra. Sinhô cantou, se acompanhando, o "Não posso mais, meu bem, não posso mais", que havia composto na madrugada daquele dia, de volta de uma farra. Estava quase inteiramente afônico. Tossia muito e corrigia a tosse bebendo boas lambadas de Madeira R. Repetiu-se a toada um sem número de vezes. Todos nós secundávamos em coro. Terán, que estava presente, ficou encantado.
Não faz uma semana eu estava em casa de um amigo onde se esperava a chegada de Sinhô para cantar ao violão. Sinhô não veio. Devia estar na rua ou no fundo de alguma casa de música, cantando ou contando vantagem, ou então em algum botequim. Em casa é que não estaria; em casa, de cama, é que não estaria. Sinhô tinha que morrer como morreu, para que a sua morte fosse o que foi: um episódio de rua, como um desastre de automóvel. Vinha numa barca da Ilha do Governador para a cidade, teve uma hemoptise fulminante e acabou.
Seu corpo foi levado para o necrotério do Hospital Hahnemanniano, ali no coração do Estácio, perto do Mangue, à vista dos morros lendários... A capelinha branca era muito exígua para conter todos quantos queriam bem ao Sinhô, tudo gente simples, malandros, soldados, marinheiros, donas de rendez-vous baratos, meretrizes, chauffeurs, macumbeiros (lá estava o velho Oxunã da Praça Onze, um preto de dois metros de altura com uma belida num olho), todos os sambistas de fama, os pretinhos dos choros dos botequins das ruas Júlio do Carmo e Benedito Hipólito, mulheres dos morros, baianas de tabuleiro, vendedores de modinhas... Essa gente não se veste toda de preto. O gosto pela cor persiste deliciosamente mesmo na hora do enterro. Há prostitutazinhas em tecido opala vermelho. Aquele preto, famanaz do pinho, traja uma fatiota clara absolutamente incrível. As flores estão num botequim em frente, prolongamento da câmara-ardente. Bebe-se desbragadamente. Um vaivém incessante da capela para o botequim. Os amigos repetem piadas do morto, assobiam ou cantarolam os sambas (Tu te lembra daquele choro?). No cinema d'a Rua Frei Caneca um bruto cartaz anunciava "A Última Canção" de Al Johnson. Um dos presentes comenta a coincidência. O Chico da Baiana vai trocar de automóvel e volta com um landaulet que parece de casamento e onde toma assento a família de Sinhô. Pérola Negra, bailarina da companhia preta, assume atitudes de estrela. Não tem ali ninguém para quebrar aquele quadro de costumes cariocas, seguramente o mais genuíno que já se viu na vida da cidade: a dor simples, natural, ingênua de um povo cantador e macumbeiro em torno do corpo do companheiro que durante tantos anos foi por excelência intérprete de sua alma estóica, sensual, carnavalesca.
Na crônica acima, extraída do livro “Os Reis Vagabundos e mais 50 crônicas”, Editora do Autor, Rio de Janeiro, 1966, pág. 11, ele narra sua convivência em vida com o famoso compositor da música popular brasileira, Sinhô, que muitos dizem ser o autor do primeiro samba, e a cena de seu velório, o que a faz uma peça descritiva de alto valor.
que pra sustentar família
foi bancar o estivador...
Me apresentaram a Sinhô na câmara-ardente do Zeca. Foi na pobre nave da igreja dos pretos do Rosário. Sinhô tinha passado o dia ali, era mais de meia-noite, ia passar a noite ali e não parava de evocar a figura do amigo extinto, contava aventuras comuns, espinafrava tudo quanto era músico e poeta, estava danado naquela época com o Vila e o Catulo, poeta era ele, músico era ele. Que língua desgraçada! Que vaidade! mas a gente não podia deixar de gostar dele desde logo, pelo menos os que são sensíveis ao sabor da qualidade carioca. O que há de mais povo e de mais carioca tinha em Sinhô a sua personificação mais típica, mais genuína e mais profunda. De quando em quando, no meio de uma porção de toadas que todas eram camaradas e frescas como as manhãs dos nossos suburbiozinhos humildes, vinha de Sinhô um samba definitivo, um Claudionor, um Jura, com um "beijo puro na catedral do amor", enfim uma dessas coisas incríveis que pareciam descer dos morros lendários da cidade, Favela, Salgueiro, Mangueira, São Carlos, fina-flor extrema da malandragem carioca mais inteligente e mais heróica... Sinhô!
Ele era o traço mais expressivo ligando os poetas, os artistas, a sociedade fina e culta às camadas profundas da ralé urbana. Daí a fascinação que despertava em toda a gente quando levado a um salão.
Vi-o pela última vez em casa de Álvaro Moreyra. Sinhô cantou, se acompanhando, o "Não posso mais, meu bem, não posso mais", que havia composto na madrugada daquele dia, de volta de uma farra. Estava quase inteiramente afônico. Tossia muito e corrigia a tosse bebendo boas lambadas de Madeira R. Repetiu-se a toada um sem número de vezes. Todos nós secundávamos em coro. Terán, que estava presente, ficou encantado.
Não faz uma semana eu estava em casa de um amigo onde se esperava a chegada de Sinhô para cantar ao violão. Sinhô não veio. Devia estar na rua ou no fundo de alguma casa de música, cantando ou contando vantagem, ou então em algum botequim. Em casa é que não estaria; em casa, de cama, é que não estaria. Sinhô tinha que morrer como morreu, para que a sua morte fosse o que foi: um episódio de rua, como um desastre de automóvel. Vinha numa barca da Ilha do Governador para a cidade, teve uma hemoptise fulminante e acabou.
Seu corpo foi levado para o necrotério do Hospital Hahnemanniano, ali no coração do Estácio, perto do Mangue, à vista dos morros lendários... A capelinha branca era muito exígua para conter todos quantos queriam bem ao Sinhô, tudo gente simples, malandros, soldados, marinheiros, donas de rendez-vous baratos, meretrizes, chauffeurs, macumbeiros (lá estava o velho Oxunã da Praça Onze, um preto de dois metros de altura com uma belida num olho), todos os sambistas de fama, os pretinhos dos choros dos botequins das ruas Júlio do Carmo e Benedito Hipólito, mulheres dos morros, baianas de tabuleiro, vendedores de modinhas... Essa gente não se veste toda de preto. O gosto pela cor persiste deliciosamente mesmo na hora do enterro. Há prostitutazinhas em tecido opala vermelho. Aquele preto, famanaz do pinho, traja uma fatiota clara absolutamente incrível. As flores estão num botequim em frente, prolongamento da câmara-ardente. Bebe-se desbragadamente. Um vaivém incessante da capela para o botequim. Os amigos repetem piadas do morto, assobiam ou cantarolam os sambas (Tu te lembra daquele choro?). No cinema d'a Rua Frei Caneca um bruto cartaz anunciava "A Última Canção" de Al Johnson. Um dos presentes comenta a coincidência. O Chico da Baiana vai trocar de automóvel e volta com um landaulet que parece de casamento e onde toma assento a família de Sinhô. Pérola Negra, bailarina da companhia preta, assume atitudes de estrela. Não tem ali ninguém para quebrar aquele quadro de costumes cariocas, seguramente o mais genuíno que já se viu na vida da cidade: a dor simples, natural, ingênua de um povo cantador e macumbeiro em torno do corpo do companheiro que durante tantos anos foi por excelência intérprete de sua alma estóica, sensual, carnavalesca.
Na crônica acima, extraída do livro “Os Reis Vagabundos e mais 50 crônicas”, Editora do Autor, Rio de Janeiro, 1966, pág. 11, ele narra sua convivência em vida com o famoso compositor da música popular brasileira, Sinhô, que muitos dizem ser o autor do primeiro samba, e a cena de seu velório, o que a faz uma peça descritiva de alto valor.
sábado, 13 de julho de 2019
O peso de uma Expectativa - Danielle Daian
“Hoje ele veio me falar das flores. Das flores, do jardim, das estações, do rio que corria em sua vida, do medo. Hoje ele veio me falar de expectativas. Dessas que a gente sufoca o outro sem ver, miudinhas, rotineiras, demasiadamente fantasiosas. Pensei no mundo, nos outros, pensei em mim.
Lembrei-me de todos os meus sonhos de adolescente e quantos deles já tinham ficado para trás simplesmente porque existiam expectativas demais, fundamentadas em realidade de menos. Pensei em quantas vezes sufoquei um relacionamento por esperar demais do futuro, em quantas pessoas perdi por esse caminho por simplesmente não ter a leveza necessária para deixar o rio da vida correr por si só. A dura verdade é que num mundo onde amar virou sinônimo de coragem, a gente por vezes tem um pouco de ansiedade com o amanhã. Ou a grande palavra do momento: pressa. A gente tem medo de acabar a tia solteirona na festa de aniversário do filho da melhor amiga, ou de passar a vida inteira sem conhecer prazeres como decorar o quarto do casal ou escolher o primeiro sapatinho do bebê. Ainda mais atemorizante, a gente tem medo de acabar só no deleite de nossa própria companhia, o que implicaria em liberar do armário escuro e sombrio todos os nossos monstros particulares que tanto relutamos em esconder. A consequência de tanta pressa são casamentos precipitados, relacionamentos forçados, rompimentos precoces e amores que são causa ao invés de serem efeito. Em outras palavras, o resultado se configura em expectativas demais, derramadas súbita e integralmente em cima de pessoas que, naquele momento, podem não estar preparadas para corresponder. Reticências pontuando frases que mereciam boas vírgulas e um ponto final.
Pensei em caminhos, descaminhos, escolhas. Pensei em quantas vezes culpamos o destino, o universo, Murphy e o karma por uma realidade diferente da que a gente esperava. Em quantos milhões de desculpas arrumamos para o comportamento divergente do outro e para tantas atitudes (ou falta delas) para silenciar a dor e a ansiedade que alimentamos em silêncio. Queremos encontrar culpados para um crime que nós mesmos cometemos: a pressa de uma escolha. Nem karma, nem Murphy, nem uma força maior somada a um infortúnio de coincidências. Nós escolhemos estar ali e queremos que o outro faça essa mesma escolha em um tempo que na verdade é inteiramente nosso.
Clichê, mas a vida é mesmo um grande rio sinuoso, em constante movimento. Nós, somos apenas bons navegantes que temos a sorte de poder escolher a direção, a velocidade e a bagagem que levaremos pelo caminho, que nos instiga a correr o risco do inesperado correnteza afora, ou nos intimida através do medo, limitando nossa trajetória ás margens próximas onde supostamente existe segurança. Se arriscar, significa aceitar o que o rio tem a oferecer de peito aberto, com a consciência tranquila que nada que a correnteza traz é ao acaso. É acima de tudo, saber respeitar os momentos de cheia e seca que a natureza impõe, sabendo que tudo na vida são fases, com estações passageiras feitas para o corpo d’água se recompor e seguir inteiro, sem fragmentos de viagens passadas, pronto para novas turbulências.
Hoje ele veio me falar de perspectivas. Aquilo que a gente inventa, sem deixar que simplesmente seja. Pensei no tamanho e na fluidez da bagagem que muitas vezes levamos no nosso pequenino barquinho, na “malinha” cheia de expectativas, frustrações e dores de amores mal curados. Cacos e peças desconexas que não fazem mais parte do quebra cabeça do presente e que deveríamos ter deixado para trás, liberando espaço para uma bagagem, de fato, enriquecedora. Afinal de contas bagagem que guarda tristeza e sofrimento, pesa e a gente só abre pra quem demonstra reciprocidade. Quanto mais leve a mala, mais fluido o barco desliza pelo rio. Calmo, natural, como tem que ser.
Penso sobre passado, presente e futuro. Penso sobre amor e toda sua eternidade no breve espaço de um segundo. E finalmente entendi, que expectativa gera frustração sim, apenas quando depositada sobre ombros despreparados. Preparo exige calma e tempo. Construir vontades também. Porque ir devagar, na maioria das vezes é muito mais rápido.
Sentada ali no parapeito da janela, vendo o sol deixar esse lado do mundo para poder iluminar os dias daqueles que estão tão distantes, observando os carros passando velozes pela rua, os passarinhos buscando seus ninhos, me dei conta de que no fundo eu e o resto do mundo só queremos um lugar pra voltar.
Hoje ele veio me falar do medo. E eu, sem nenhuma expectativa, falei pra ele de amor. Fluímos. Com a leveza de um agora vivido sem pressa nenhuma.”
Lembrei-me de todos os meus sonhos de adolescente e quantos deles já tinham ficado para trás simplesmente porque existiam expectativas demais, fundamentadas em realidade de menos. Pensei em quantas vezes sufoquei um relacionamento por esperar demais do futuro, em quantas pessoas perdi por esse caminho por simplesmente não ter a leveza necessária para deixar o rio da vida correr por si só. A dura verdade é que num mundo onde amar virou sinônimo de coragem, a gente por vezes tem um pouco de ansiedade com o amanhã. Ou a grande palavra do momento: pressa. A gente tem medo de acabar a tia solteirona na festa de aniversário do filho da melhor amiga, ou de passar a vida inteira sem conhecer prazeres como decorar o quarto do casal ou escolher o primeiro sapatinho do bebê. Ainda mais atemorizante, a gente tem medo de acabar só no deleite de nossa própria companhia, o que implicaria em liberar do armário escuro e sombrio todos os nossos monstros particulares que tanto relutamos em esconder. A consequência de tanta pressa são casamentos precipitados, relacionamentos forçados, rompimentos precoces e amores que são causa ao invés de serem efeito. Em outras palavras, o resultado se configura em expectativas demais, derramadas súbita e integralmente em cima de pessoas que, naquele momento, podem não estar preparadas para corresponder. Reticências pontuando frases que mereciam boas vírgulas e um ponto final.
Pensei em caminhos, descaminhos, escolhas. Pensei em quantas vezes culpamos o destino, o universo, Murphy e o karma por uma realidade diferente da que a gente esperava. Em quantos milhões de desculpas arrumamos para o comportamento divergente do outro e para tantas atitudes (ou falta delas) para silenciar a dor e a ansiedade que alimentamos em silêncio. Queremos encontrar culpados para um crime que nós mesmos cometemos: a pressa de uma escolha. Nem karma, nem Murphy, nem uma força maior somada a um infortúnio de coincidências. Nós escolhemos estar ali e queremos que o outro faça essa mesma escolha em um tempo que na verdade é inteiramente nosso.
Clichê, mas a vida é mesmo um grande rio sinuoso, em constante movimento. Nós, somos apenas bons navegantes que temos a sorte de poder escolher a direção, a velocidade e a bagagem que levaremos pelo caminho, que nos instiga a correr o risco do inesperado correnteza afora, ou nos intimida através do medo, limitando nossa trajetória ás margens próximas onde supostamente existe segurança. Se arriscar, significa aceitar o que o rio tem a oferecer de peito aberto, com a consciência tranquila que nada que a correnteza traz é ao acaso. É acima de tudo, saber respeitar os momentos de cheia e seca que a natureza impõe, sabendo que tudo na vida são fases, com estações passageiras feitas para o corpo d’água se recompor e seguir inteiro, sem fragmentos de viagens passadas, pronto para novas turbulências.
Hoje ele veio me falar de perspectivas. Aquilo que a gente inventa, sem deixar que simplesmente seja. Pensei no tamanho e na fluidez da bagagem que muitas vezes levamos no nosso pequenino barquinho, na “malinha” cheia de expectativas, frustrações e dores de amores mal curados. Cacos e peças desconexas que não fazem mais parte do quebra cabeça do presente e que deveríamos ter deixado para trás, liberando espaço para uma bagagem, de fato, enriquecedora. Afinal de contas bagagem que guarda tristeza e sofrimento, pesa e a gente só abre pra quem demonstra reciprocidade. Quanto mais leve a mala, mais fluido o barco desliza pelo rio. Calmo, natural, como tem que ser.
Penso sobre passado, presente e futuro. Penso sobre amor e toda sua eternidade no breve espaço de um segundo. E finalmente entendi, que expectativa gera frustração sim, apenas quando depositada sobre ombros despreparados. Preparo exige calma e tempo. Construir vontades também. Porque ir devagar, na maioria das vezes é muito mais rápido.
Sentada ali no parapeito da janela, vendo o sol deixar esse lado do mundo para poder iluminar os dias daqueles que estão tão distantes, observando os carros passando velozes pela rua, os passarinhos buscando seus ninhos, me dei conta de que no fundo eu e o resto do mundo só queremos um lugar pra voltar.
Hoje ele veio me falar do medo. E eu, sem nenhuma expectativa, falei pra ele de amor. Fluímos. Com a leveza de um agora vivido sem pressa nenhuma.”
Eu vou te contar - Fauzi Arap
Eu vou te contar que você não me conhece
E eu tenho que gritar isso
Porque você está surdo e não me ouve
A sedução me escraviza a você
Ao fim de tudo você permanece comigo
Mas preso ao que eu criei e não amei
E não a mim
E quanto mais falo sobre a verdade inteira
Um abismo maior nos separa
Você não tem um nome e eu tenho
Você é rosto na multidão
E eu sou o centro das atenções
Mas há mentira na aparência do que eu sou
E há mentira na aparência do que você é
Porque eu não sou o meu nome
E você não é ninguém
O jogo perigoso que eu pratico aqui
Busca chegar no limite possível de aproximação
Através da aceitação da distância
Ou do reconhecimento dela
Entre eu e você
Existe a notícia que nos separa
Eu quero que você me veja nu
Eu me dispo da notícia
E a minha nudez parada
Me denuncia e te espelha
Eu me dilato
Tu me relatas
Eu nos acuso e confesso por nós
Assim me livro das palavras
Com a as quais você me veste.
E eu tenho que gritar isso
Porque você está surdo e não me ouve
A sedução me escraviza a você
Ao fim de tudo você permanece comigo
Mas preso ao que eu criei e não amei
E não a mim
E quanto mais falo sobre a verdade inteira
Um abismo maior nos separa
Você não tem um nome e eu tenho
Você é rosto na multidão
E eu sou o centro das atenções
Mas há mentira na aparência do que eu sou
E há mentira na aparência do que você é
Porque eu não sou o meu nome
E você não é ninguém
O jogo perigoso que eu pratico aqui
Busca chegar no limite possível de aproximação
Através da aceitação da distância
Ou do reconhecimento dela
Entre eu e você
Existe a notícia que nos separa
Eu quero que você me veja nu
Eu me dispo da notícia
E a minha nudez parada
Me denuncia e te espelha
Eu me dilato
Tu me relatas
Eu nos acuso e confesso por nós
Assim me livro das palavras
Com a as quais você me veste.
sexta-feira, 12 de julho de 2019
Frase - Alessandro Brito
Não poderia viver como vocês, o dinheiro que vocês usam não compra as coisas que eu preciso pra ser feliz.
O amor é um cão dos diabos - Charles Bukowski
O humilde herdou
se eu sofro assim diante dessa
máquina de escrever
pense em como eu me sentiria
entre os colhedores
da alface em Salinas?
penso nos homens
que conheci nas
fábricas
sem qualquer chance de
escapar -
sufocados enquanto vivem
sufocados enquanto riem
de Bob Hope ou Lucille
Ball enquanto
2 ou 3 crianças jogam
bolas de tênis contra
as paredes.
alguns suicídios jamais são
registrados.
se eu sofro assim diante dessa
máquina de escrever
pense em como eu me sentiria
entre os colhedores
da alface em Salinas?
penso nos homens
que conheci nas
fábricas
sem qualquer chance de
escapar -
sufocados enquanto vivem
sufocados enquanto riem
de Bob Hope ou Lucille
Ball enquanto
2 ou 3 crianças jogam
bolas de tênis contra
as paredes.
alguns suicídios jamais são
registrados.
quinta-feira, 11 de julho de 2019
A última crônica - Fernando Sabino
A caminho de casa, entro num botequim da Gávea para tomar um café junto ao balcão. Na realidade estou adiando o momento de escrever. A perspectiva me assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais um ano nesta busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um. Eu pretendia apenas recolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano, fruto da convivência, que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao circunstancial, ao episódico. Nesta perseguição do acidental, quer num flagrante de esquina, quer nas palavras de uma criança ou num acidente doméstico, torno-me simples espectador e perco a noção do essencial. Sem mais nada para contar, curvo a cabeça e tomo meu café, enquanto o verso do poeta se repete na lembrança: "assim eu quereria o meu último poema". Não sou poeta e estou sem assunto. Lanço então um último olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma crônica.
Ao fundo do botequim um casal de pretos acaba de sentar-se, numa das últimas mesas de mármore ao longo da parede de espelhos. A compostura da humildade, na contenção de gestos e palavras, deixa-se acrescentar pela presença de uma negrinha de seus três anos, laço na cabeça, toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou também à mesa: mal ousa balançar as perninhas curtas ou correr os olhos grandes de curiosidade ao redor. Três seres esquivos que compõem em torno à mesa a instituição tradicional da família, célula da sociedade. Vejo, porém, que se preparam para algo mais que matar a fome.
Passo a observá-los. O pai, depois de contar o dinheiro que discretamente retirou do bolso, aborda o garçom, inclinando-se para trás na cadeira, e aponta no balcão um pedaço de bolo sob a redoma. A mãe limita-se a ficar olhando imóvel, vagamente ansiosa, como se aguardasse a aprovação do garçom. Este ouve, concentrado, o pedido do homem e depois se afasta para atendê-lo. A mulher suspira, olhando para os lados, a reassegurar-se da naturalidade de sua presença ali. A meu lado o garçom encaminha a ordem do freguês.
O homem atrás do balcão apanha a porção do bolo com a mão, larga-o no pratinho - um bolo simples, amarelo-escuro, apenas uma pequena fatia triangular. A negrinha, contida na sua expectativa, olha a garrafa de Coca-Cola e o pratinho que o garçom deixou à sua frente. Por que não começa a comer? Vejo que os três, pai, mãe e filha, obedecem em torno à mesa um discreto ritual. A mãe remexe na bolsa de plástico preto e brilhante, retira qualquer coisa. O pai se mune de uma caixa de fósforos, e espera. A filha aguarda também, atenta como um animalzinho. Ninguém mais os observa além de mim.
São três velinhas brancas, minúsculas, que a mãe espeta caprichosamente na fatia do bolo. E enquanto ela serve a Coca-Cola, o pai risca o fósforo e acende as velas. Como a um gesto ensaiado, a menininha repousa o queixo no mármore e sopra com força, apagando as chamas. Imediatamente põe-se a bater palmas, muito compenetrada, cantando num balbucio, a que os pais se juntam, discretos: "Parabéns pra você, parabéns pra você..." Depois a mãe recolhe as velas, torna a guardá-las na bolsa. A negrinha agarra finalmente o bolo com as duas mãos sôfregas e põe-se a comê-lo. A mulher está olhando para ela com ternura - ajeita-lhe a fitinha no cabelo crespo, limpa o farelo de bolo que lhe cai ao colo. O pai corre os olhos pelo botequim, satisfeito, como a se convencer intimamente do sucesso da celebração. Dá comigo de súbito, a observá-lo, nossos olhos se encontram, ele se perturba, constrangido - vacila, ameaça abaixar a cabeça, mas acaba sustentando o olhar e enfim se abre num sorriso.
Assim eu quereria minha última crônica: que fosse pura como esse sorriso.
Ao fundo do botequim um casal de pretos acaba de sentar-se, numa das últimas mesas de mármore ao longo da parede de espelhos. A compostura da humildade, na contenção de gestos e palavras, deixa-se acrescentar pela presença de uma negrinha de seus três anos, laço na cabeça, toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou também à mesa: mal ousa balançar as perninhas curtas ou correr os olhos grandes de curiosidade ao redor. Três seres esquivos que compõem em torno à mesa a instituição tradicional da família, célula da sociedade. Vejo, porém, que se preparam para algo mais que matar a fome.
Passo a observá-los. O pai, depois de contar o dinheiro que discretamente retirou do bolso, aborda o garçom, inclinando-se para trás na cadeira, e aponta no balcão um pedaço de bolo sob a redoma. A mãe limita-se a ficar olhando imóvel, vagamente ansiosa, como se aguardasse a aprovação do garçom. Este ouve, concentrado, o pedido do homem e depois se afasta para atendê-lo. A mulher suspira, olhando para os lados, a reassegurar-se da naturalidade de sua presença ali. A meu lado o garçom encaminha a ordem do freguês.
O homem atrás do balcão apanha a porção do bolo com a mão, larga-o no pratinho - um bolo simples, amarelo-escuro, apenas uma pequena fatia triangular. A negrinha, contida na sua expectativa, olha a garrafa de Coca-Cola e o pratinho que o garçom deixou à sua frente. Por que não começa a comer? Vejo que os três, pai, mãe e filha, obedecem em torno à mesa um discreto ritual. A mãe remexe na bolsa de plástico preto e brilhante, retira qualquer coisa. O pai se mune de uma caixa de fósforos, e espera. A filha aguarda também, atenta como um animalzinho. Ninguém mais os observa além de mim.
São três velinhas brancas, minúsculas, que a mãe espeta caprichosamente na fatia do bolo. E enquanto ela serve a Coca-Cola, o pai risca o fósforo e acende as velas. Como a um gesto ensaiado, a menininha repousa o queixo no mármore e sopra com força, apagando as chamas. Imediatamente põe-se a bater palmas, muito compenetrada, cantando num balbucio, a que os pais se juntam, discretos: "Parabéns pra você, parabéns pra você..." Depois a mãe recolhe as velas, torna a guardá-las na bolsa. A negrinha agarra finalmente o bolo com as duas mãos sôfregas e põe-se a comê-lo. A mulher está olhando para ela com ternura - ajeita-lhe a fitinha no cabelo crespo, limpa o farelo de bolo que lhe cai ao colo. O pai corre os olhos pelo botequim, satisfeito, como a se convencer intimamente do sucesso da celebração. Dá comigo de súbito, a observá-lo, nossos olhos se encontram, ele se perturba, constrangido - vacila, ameaça abaixar a cabeça, mas acaba sustentando o olhar e enfim se abre num sorriso.
Assim eu quereria minha última crônica: que fosse pura como esse sorriso.
quarta-feira, 10 de julho de 2019
Película - Clube da luta (1999)
Deixa - Cartola
Deixa
Eu mesmo quero
Resolver os meus dilemas
Deixa
Quero escrever
Embora esteja
Com as mãos trêmulas
É assunto meu
Sei que ninguém dá solução
Tudo quanto sofro
Vou dizer numa canção
Deixa
Quando ela ouvir os meus poemas
Vai chorar
A consciência vai lhe castigar
Perdão, não quero
Nem vou perdoar
Deixa
Meu sofrimento um dia vai ter fim
Os meus poemas vão falar por mim
De todo o mal que o amor me fez
Deixa
A razão dizer quem tem razão
E o fantasma da ingratidão
Se retira com desfaçatez.
Eu mesmo quero
Resolver os meus dilemas
Deixa
Quero escrever
Embora esteja
Com as mãos trêmulas
É assunto meu
Sei que ninguém dá solução
Tudo quanto sofro
Vou dizer numa canção
Deixa
Quando ela ouvir os meus poemas
Vai chorar
A consciência vai lhe castigar
Perdão, não quero
Nem vou perdoar
Deixa
Meu sofrimento um dia vai ter fim
Os meus poemas vão falar por mim
De todo o mal que o amor me fez
Deixa
A razão dizer quem tem razão
E o fantasma da ingratidão
Se retira com desfaçatez.
terça-feira, 9 de julho de 2019
9 de Julho - Alessandro Brito
9 de Julho é a data da morte do maior poeta que habitou essa terra, Vinícius de Moraes. Ah querido poetinha, eu sei que não nos conhecemos mas onde estiver sinta-se abraçado por esse amigo que tanto lhe respeita e admira. Mas 9 de julho de 2019 é ainda mais especial, dia que me declaro apaixonado! São muitos os paradoxos que já desfiz, mas sem dúvidas são infinitamente menores que os que ainda pairam em minha mente, inevitavelmente eu busco margens de seguranças, ainda que, para acalantar meus anseios, mas no fundo, sei que é tudo ilusão. Começo a aceitar que a ilusão é a base de toda vida, levando em conta que a morte é única certeza que tenho, todo o resto é apenas uma questão de "qual mentira vou acreditar". Eu acredito no amor, eu acredito na paixão, não sei quase nada, ou nada, sobre esses sentimentos, mas são as mentiras que escolhi acreditar.
Me encontro apaixonado porque decidi deixar de tentar controlar as variantes incontroláveis que margeiam minha vida, apaixonado por me permitir sentir-se vulnerável, é óbvio que é uma condição assombrosa, tenho muitos medos, tenho sim, mas as borboletas que sinto no estômago ao arriscar, me tiram do chão, me fazem alçar voo, eu gosto dessa sensação de liberdade quando não sinto os meus pés preso ao chão.
Estou numa fase de transição, me sinto como uma criança, então percebo que minha vivência não fez de mim um homem maduro, mas, apenas, um menino absurdamente curioso, e me vejo pronto a imergir em mim. Apaixonado pela possibilidade de arder no calor de uma outra alma, de ter coragem de postar-me frente a frente sem a máscara da ilusão, de me permitir acreditar sem questionar e simplesmente seguir com leveza acompanhando a brisa leve, que sopra, leva e traz, transformando as voltas da vida.
Por fim, também começo a aceitar que tudo é uma questão de confiança, é preciso confiar. Eu sempre confiei no meu sexto sentido, nunca me colocou em más lençois, pelo contrário, sempre foi quem me deu direção, as vezes que lutei contra ele, foram as vezes que o medo me venceu, mas é necessário confiar. Um apaixonado tem por obrigação (ou condição) que confiar em outro alguém, e o milésimo de segundo em que se faz a escolha entre confiar ou permanecer "dentro da margem de segurança" é um abismo quase infinito, mas confiar é ter asas, que podem me fazer plainar nesse abismo ou simplesmente ser um sobrepeso que me fará encontrar o "quase infinito".
Me encontro apaixonado porque decidi deixar de tentar controlar as variantes incontroláveis que margeiam minha vida, apaixonado por me permitir sentir-se vulnerável, é óbvio que é uma condição assombrosa, tenho muitos medos, tenho sim, mas as borboletas que sinto no estômago ao arriscar, me tiram do chão, me fazem alçar voo, eu gosto dessa sensação de liberdade quando não sinto os meus pés preso ao chão.
Estou numa fase de transição, me sinto como uma criança, então percebo que minha vivência não fez de mim um homem maduro, mas, apenas, um menino absurdamente curioso, e me vejo pronto a imergir em mim. Apaixonado pela possibilidade de arder no calor de uma outra alma, de ter coragem de postar-me frente a frente sem a máscara da ilusão, de me permitir acreditar sem questionar e simplesmente seguir com leveza acompanhando a brisa leve, que sopra, leva e traz, transformando as voltas da vida.
Por fim, também começo a aceitar que tudo é uma questão de confiança, é preciso confiar. Eu sempre confiei no meu sexto sentido, nunca me colocou em más lençois, pelo contrário, sempre foi quem me deu direção, as vezes que lutei contra ele, foram as vezes que o medo me venceu, mas é necessário confiar. Um apaixonado tem por obrigação (ou condição) que confiar em outro alguém, e o milésimo de segundo em que se faz a escolha entre confiar ou permanecer "dentro da margem de segurança" é um abismo quase infinito, mas confiar é ter asas, que podem me fazer plainar nesse abismo ou simplesmente ser um sobrepeso que me fará encontrar o "quase infinito".
Vinicius de Moraes - Entrevistado por Clarice Lispector
“Detesto tudo que oprime o homem, inclusive a gravata.” |
Mulher, poesia, música
Clarice Lispector – Vinicius, acho que vamos conversar sobre mulheres, poesia e música. Sobre mulheres porque corre a fama de que você é um grande amante. Sobre poesia porque você é um dos nossos grandes poetas. Sobre música porque você é o nosso menestrel. Vinicius, você amou realmente alguém na vida? Telefonei para uma das mulheres com que você casou, e ela disse que você ama tudo, a tudo você se dá inteiro: a crianças, a mulheres, a amizades. Então me veio a ideia de que você ama o amor, e nele inclui as mulheres.
Vinicius de Moraes – Que eu amo o amor é verdade. Mas por esse amor eu compreendo a soma de todos os amores, ou seja, o amor de homem para mulher, de mulher para homem, o amor de mulher por mulher, o amor de homem para homem e o amor de ser humano pela comunidade de seus semelhantes. Eu amo esse amor mas isso não quer dizer que eu não tenha amado as mulheres que tive. Tenho a impressão que, àquelas que amei realmente, me dei todo.
Clarice Lispector – Acredito, Vinicius. Acredito mesmo. Embora eu também acredite que quando um homem e uma mulher se encontram num amor verdadeiro, a união é sempre renovada, pouco importam as brigas e os desentendimentos: duas pessoas nunca são permanentemente iguais e isso pode criar no mesmo par novos amores.
Vinicius de Moraes – É claro, mas eu ainda acho que o amor que constrói para a eternidade é o amor paixão, o mais precário, o mais perigoso, certamente o mais doloroso. Esse amor é o único que tem a dimensão do infinito.
Clarice Lispector – Você já amou desse modo?
Vinicius de Moraes – Eu só tenho amado desse modo.
Clarice Lispector – Você acaba um caso porque encontra outra mulher ou porque se cansa da primeira?
Vinicius de Moraes – Na minha vida tem sido como se uma mulher me depositasse nos braços de outra. Isso talvez porque esse amor paixão pela sua própria intensidade não tem condições de sobreviver. Isso acho que está expresso com felicidade no dístico final do meu soneto “Fidelidade”: “que não seja imortal posto que é chama / mas que seja infinito enquanto dure”.
Clarice Lispector – Você sabe que é um ídolo para a juventude? Será que agora que apareceu o Chico, as mocinhas trocaram de ídolo, as mocinhas e os mocinhos?
Vinicius de Moraes – Acho que é diferente. A juventude procura em mim o pai amigo, que viveu e que tem uma experiência a transmitir. Chico não, é ídolo mesmo, trata-se de idolatria.
Clarice Lispector – Você suporta ser ídolo? Eu não suportaria.
Vinicius de Moraes – Às vezes fico mal-humorado. Mas uma dessas moças explicou: é que você, Vinicius, vive nas estantes de nossos livros, nas canções que todo mundo canta, na televisão. Você vive conosco, em nossa casa.
Clarice Lispector – Qual é a artista de cinema que você amaria?
Vinicius de Moraes – Marilyn Monroe. Foi um dos seres mais lindos que já nasceram. Se só existisse ela, já justificaria a existência dos Estados Unidos. Eu casaria com ela e certamente não daria certo porque é difícil amar uma mulher tão célebre. Só sou ciumento fisicamente, é o ciúme de bicho, não tenho outro.
Clarice Lispector – Fale-me sobre sua música.
Vinicius de Moraes – Não falo de mim como músico, mas como poeta. Não separo a poesia que está nos livros da que está nas canções.
Clarice Lispector – Vinicius, você já se sentiu sozinho na vida? Já sentiu algum desamparo?
Vinicius de Moraes – Acho que sou um homem bastante sozinho. Ou pelo menos eu tenho um sentimento muito agudo de solidão.
Vinicius de Moraes - foto: ...
Clarice Lispector – Isso explicaria o fato de você amar tanto, Vinicius.
Vinicius de Moraes – O fato de querer me comunicar tanto.
Clarice Lispector – Você sabe que admiro muito seus poemas, e, mais do que gostar, eu os amo. O que é a poesia para você?
Vinicius de Moraes – Não sei, eu nunca escrevo poemas abstratos, talvez seja o modo de tornar a realidade mágica aos meus próprios olhos. De envolvê-la com esse tecido que dá uma dimensão mais profunda e consequentemente mais bela.
Clarice Lispector – Reflita um pouco e me diga qual é a coisa mais importante do mundo, Vinicius?
Vinicius de Moraes – Para mim é a mulher, certamente.
Clarice Lispector – Você quer falar sobre sua música? Estou escutando.
Vinicius de Moraes – Dizem, na minha família, que eu cantei antes de falar. E havia uma cançãozinha que eu repetia e que tinha um leve tema de sons. Fui criado no mundo da música, minha mãe e minha avó tocavam piano, eu me lembro de como me machucavam aquelas valsas antigas.
– Meu pai também tocava violão, cresci ouvindo música. Depois a poesia fez o resto.
Fizemos uma pausa. Ele continuou:
– Tenho tanta ternura pela sua mão queimada...
(Emocionei-me e entendi que este homem envolve uma mulher de carinho.) Vinicius disse, tomando um gole de uísque:
– É curioso, a alegria não é um sentimento nem uma atmosfera de vida nada criadora. Eu só sei criar na dor e na tristeza, mesmo que as coisas que resultem sejam alegres. Não me considero uma pessoa negativa, quer dizer, eu não deprimo o ser humano. É por isso que acho que estou vivendo num movimento de equilíbrio infecundo do qual estou tentando me libertar. O paradigma máximo para mim seria: a calma no seio da paixão. Mas realmente não sei se é um ideal humanamente atingível.
Clarice Lispector – Como é que você se deu dentro da vida diplomática, você que é o antiformal por excelência, você que é livre por excelência?
Vinicius de Moraes – Acontece que detesto tudo o que oprime o homem, inclusive a gravata. Ora, é notório que o diplomata é um homem que usa gravata. Dentro da diplomacia fiz bons amigos até hoje. Depois houve outro fato: as raízes e o sangue falaram mais alto. Acho muito difícil um homem que não volta ao seu quintal, para chegar ou pelo menos aproximar-se do conhecimento de si mesmo.
Clarice Lispector – Como pessoa, Vinicius, o que é que desejaria alcançar?
Vinicius de Moraes – Eu desejaria alcançar outra coisa. Isso de calma no seio da paixão. Mas desejaria alcançar uma tal capacidade de amar que me pudesse fazer útil aos meus semelhantes.
Clarice Lispector – Quero lhe pedir um favor: faça um poema agora mesmo. Tenho certeza de que não será banal. Se você quiser, Menestrel, fale o seu poema.
Vinicius de Moraes – Meu poema é em duas linhas: você escreve uma palavra em cima e a outra embaixo porque é um verso.
É assim:
Clarice
Lispector
– Acho lindo o teu nome, Clarice.
Clarice Lispector – Você poderia dizer quais as maiores emoções que já teve? Eu, por exemplo, tive tantas e tantas, boas e péssimas, que não ousaria falar delas.
Vinicius de Moraes – Minhas maiores emoções foram ligadas ao amor. O nascimento de filhos, as primeiras posses e os últimos adeuses. Mesmo tendo duas experiências de quase morte – desastre de avião e de carro – mesmo essa experiência de quase morte nem de longe se aproximou dessas emoções de que te falei.
Clarice Lispector – Você se sente feliz? Essa, Vinicius, é uma pergunta idiota, mas que eu gostaria que você respondesse.
Vinicius de Moraes – Se a felicidade existe, eu só sou feliz enquanto me queimo e quando a pessoa se queima não é feliz. A própria felicidade é dolorosa.
Meditamos um pouco, conversamos mais ainda, Vinicius saiu.
Então telefonei para uma das esposas de Vinicius.
Clarice Lispector – Como é que você se sente casada com Vinicius?
Ela respondeu com aquela voz que é um murmúrio de pássaro:
– Muito bem. Ele me dá muito. E mais importante do que isso, ele me ajuda a viver, a conhecer a vida, a gostar das pessoas.
Depois conversei com uma mocinha inteligente:
– A música de Vinicius, disse ela, fala muito de amor e a gente se identifica sempre com ela.
Clarice Lispector – Você teria um “caso” com ele?
– Não, porque apesar de achar Vinicius amorável, eu amo um outro homem. E Vinicius me revela ainda mais que eu amo aquele homem. A música dele faz a gente gostar ainda mais do amor. E “de repente, não mais que de repente”, ele se transforma em outro: e é o nosso poetinha como o chamamos.
Eis pois alguns segredos de uma figura humana grande e que vive a todo risco. Porque há grandeza em Vinicius de Moraes.
Vinicius de Moraes - foto: acervo VM Cultural
VINICIUS DE MORAES – Poeta, assumiu postos diplomáticos em Los Angeles, Paris e Roma. Tornou-se um dos compositores mais populares da MPB, e um dos integrantes da Bossa Nova. Colaborou com vários jornais e revistas, como articulista e crítico de cinema. Escreveu Orfeu da Conceição, que teve montagem teatral em 1956, com cenários de Oscar Niemeyer. Posteriormente transformada em filme (com o título de Orfeu negro) pelo diretor francês Marcel Camus, em 1959, foi premiada com a Palma de Ouro no Festival de Cannes e com o Oscar, em Hollywood, como o melhor filme estrangeiro do ano. Nesse filme acontece seu primeiro trabalho com Tom Jobim. Entre seus parceiros estão Carlos Lyra, Edu Lobo, Francis Hime, Dorival Caymmi, Baden Powell e Toquinho.
Fonte:
- LISPECTOR, Clarice. Clarice Lispector entrevistas. Rio de Janeiro: Rocco, 2007.
segunda-feira, 8 de julho de 2019
São João -Alessandro Brito
Encerrou-se a festa e também minha ilusão
Eu te quis te desejei numa prece eu implorei
Que você fosse meu par nesse São João
Era só o que eu queria pra dar fim a solidão
Ter você do meu lado de rostinho colado
A noite inteira segurando a minha a mão
Apesar dessa tristeza que invade o coração
Vou fazendo com a lembrança dos seus beijos
Dessa festa a melhor recordação.
Eu te quis te desejei numa prece eu implorei
Que você fosse meu par nesse São João
Era só o que eu queria pra dar fim a solidão
Ter você do meu lado de rostinho colado
A noite inteira segurando a minha a mão
Apesar dessa tristeza que invade o coração
Vou fazendo com a lembrança dos seus beijos
Dessa festa a melhor recordação.
sábado, 6 de julho de 2019
sexta-feira, 5 de julho de 2019
Porto poema - Regina Vilarinhos
Quando ele chegar trazendo em seus olhos
meu porto
baixarei as velas na manhã
e no claro dia de minha alma
colocarei meu corpo ao seu lado
sem amarras, sem âncora
pois que nele só poderei chegar
nunca partir.
meu porto
baixarei as velas na manhã
e no claro dia de minha alma
colocarei meu corpo ao seu lado
sem amarras, sem âncora
pois que nele só poderei chegar
nunca partir.
quarta-feira, 3 de julho de 2019
terça-feira, 2 de julho de 2019
Blanco - Octavio Paz
Me vejo no que vejo
Como entrar por meus olhos
Em um olho mais límpido
Me olha o que eu olho
É minha criação
Isto que vejo
Perceber é conceber
Águas de pensamentos
Sou a criatura
Do que vejo.
Como entrar por meus olhos
Em um olho mais límpido
Me olha o que eu olho
É minha criação
Isto que vejo
Perceber é conceber
Águas de pensamentos
Sou a criatura
Do que vejo.
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