sábado, 4 de abril de 2020

Paternidade - Alessandro Brito

 Hoje, aos 37 anos de idade assumo, com um pouco mais de dignidade, o real motivo de não ter sido pai. Como de costume, no ser humano, sempre foi mais confortante terceirizar a responsabilidade e usar os argumentos que me isentasse, e meu histórico familiar triste de uma infância nada ortodoxa me davam total embasamento.

O fato da minha mãe ter ido embora de casa inúmeras vezes durante minha infância e adolescência foi sempre o argumento principal, álibi perfeito, e ainda, comovente. A falta de "estabilidade" financeira e outros argumentos sempre foram secundários, quase nunca usados, o primeiro sempre foi muito convincente. Eu sempre disse que não queria casar e ter que separar, que se tivesse um filho gostaria de ficar com a mãe dele "até pra sempre", e este era o grande problema, o fator resultante de não ter assumido a paternidade, não gostaria que ele passasse pelo que passei.

Das moças que foram minhas companheiras nenhuma despertou-me esse desejo, nunca conseguiram me passar a confiança que eu necessitava para arriscar, poderia ter sido isso sim, mas não foi, não é verdade, além de ser injusto.

Ao tentar me olhar nos próprio olhos, vejo que o meu medo maior não era apenas a separação, a infância sem mãe casou-me sim algum trauma, mas a perda da pessoa que mais amo na vida, aos 23 anos, foi relevante.
Como eu o amo, quatorze anos depois e a dor da saudade é absurda, indescritível, ainda choro, sofro e reclamo sua ausência, foi quando me dei conta que sou sensível demais pra ser pai. A realidade nua a crua é que, acredito eu, não teria estrutura psicológica para aguentar a possível perda de um filho.

Não, eu não descarto que essa é apenas uma probabilidade, e que ter essa posição elimina a possibilidade de viver experiências incríveis sendo pai, nessa horas gostaria de ter religião, acreditar em alguma doutrina, mas na condição de agnóstico nietzschiano, não me vejo com estrutura.

Não ter uma religião e ter filosofia de vida, não muda muita coisa, então é sempre uma guerra comigo mesmo, os paradoxos são infinitos, são perguntas demais pra respostas de menos. Sigo acreditando que, de fato, o que se planta se colhe, a vida não apresenta flexibilidade quando o assunto é retorno, se assim posso classificar.

Das análises da vida entendo que se tiver saúde ela cobrará do seu bolso, se tiver dinheiro, ela cobrará da sua saúde, e se tiver ambos, fatalmente ela levará alguém que você ama, eu tenho "pecados demais", vou seguindo, talvez um dia mude essa maneira de ver a vida, mas até aqui é assim, se está certo ou errado, não é uma questão do que vão achar, mas sim, do que eu acho.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Marcadores