quarta-feira, 24 de julho de 2013

Texto - Elma Moreira de Assis

Mais de um ano que ela se foi...
É sempre muito, muito doloroso escrever para você ou publicar algo seu...
Sem dúvida uma das mulheres que mais me marcou, sua inteligência era espantosa, mas seu jeito de ver o mundo e a forma como se desdobrava para tentar sair da prisão cultural da qual era refém, dos preconceitos de um nordeste extremamente machista... Ficou me devendo concretizar alguns sonhos...

Sabe, este domingo caminhava pela paulista, uma tarde de sol linda, um arrebol com cinza de poluição que só sampa tem, aquele mundo de etnias dividindo o mesmo ecossistema, você ficaria doida. Com certeza dançaríamos no meio da rua...

Tomei a decisão de sair de sampa e ir morar na paraíba nos próximos meses, talvez não se realize, você bem sabe, a vida é mesmo imprevisível, e por isso somos doidos por ela não é mesmo amada!?

Muito embora estejamos juntos em pensamento, sua presença física me fará muita falta por aquelas bandas...

Não sei como inspirava-se para escrever estas coisas, mas fico feliz que ao menos nos escritos fosse livre e senti-se verdadeiramente feliz.

Amo muito você amiga, em breve nos veremos!

Segue texto da Elma Moreira de Assis:

Já não havia muito o que ser dito, antes íntimos, agora quase estranhos, ruborizados, desconhecidos, tendo, ele, negado a pele dela, o seu suor, sua lombra orgásmica, suas risadas. O que antes era intensidade, agora não passa de mera educação, formalidade utilizada para mascarar o "nada" restante, reinante. Reciprocidade quebrada gera, nela, a sensação do nunca. Como se não existisse o passado, fragrância dissipada pelo tempo, concretude corroída pela lágrima ácida derramada, lágrima que parecia já prever seu caminho, seu surgimento, mas mesmo assim teimou em se formar e pôr-se em prontidão, como se esperasse, mais uma vez, o ir-se daquele que, por muito, parte dela se tornou. Só que ela é descarada, sabe ? Daquelas que se exibe e ama de dentro pra fora, como num processo de contorcionismo ao avesso . Ama pelos poros, sorri com os ombros, convida através dos olhos, transborda com todo o corpo. Ela não é desse mundo. Ela é formada por mil vidas, por mulheres de várias épocas. Ela é atemporal. E ele, mesmo do seu modo, acabou por encantá-la. Ele é tudo o que confunde, que chama, que é mistério, riso. É tudo o que se desistiu de querer de um qualquer, por não acreditar ser possível, por ele não ser esse tal. E, literalmente, não se pode mesmo acreditar nesse "ser", vez que ele desmanchou-se no ar, quebrou na onda, partiu do nada pro nada, deixando, nela, a sensação do quase maculada pelo vazio do nunca. É engraçado, ela é teimosa, é diferente. Em vez de enraivada, ri. Ela se diverte pelos risos gastados, e até junta algumas piadas bobas pra contar no regresso dele, como se fosse bem assim mesmo, nessa leveza. Como se já soubesse, mesmo sem entender, que tudo é providencial, conspiração, para "aquele beijo". Ele ainda embala as noites dessa pequena, e, quando o vento arrepia-lhe o corpo, nas brisas primaveris, ela se contorce e sussurra seu nome, como se usasse esse vento como seu porta-voz, como seu porta-corpo. Ela parece ser a única que ainda acredita nele, do jeitinho dela, sabe ? Ela o vê quando olha pela janela e o tem por segundos poucos, como são as sensações mais intensas da vida. Ela o vê em vários rostos, como se tentasse formar sua imagem através de várias peças, seu quebra-cabeças, seu perfeito labirinto, onde se perdem e se acham. De uma certa forma ele a transformou, ajudou-a, e ela está assim: sentindo-se plena, bem, inteira, leve e louca para rir de suas histórias, morder o lábio de ciúme, franzir a testa quando desconfiada. Sobretudo ela gosta de rir quando ele fecha a cara de ciúme, fingindo ser ranzinza e sério, logo aquele menino que tem uma constelação no pescoço e um sorriso que começa infantil e acaba de lado, sumindo num canto de boca sedutor. Ela é dele, e sabe disso. Não sente que deveria ser diferente, não vai contra, enquanto sente é entregue. Quando a tardinha cai e as nuvens ficam cor de algodão doce, a mesma descrição que contou e ele riu, ela olha o céu e seus olhos se enchem d'água .. A música se inicia, como se fosse por ele providenciada . Ela tem o mundo dentro de si e, mesmo assim, seu mundo é dele. Ela samba, bebe, ri, perde a sandália e roda a saia, enquanto ele roda dentro dela e os dois dançam assim, desajeitados . Ela o quer .. É ele. E ela ainda acredita nele .. Ainda .

Elma

02/04/2012
23:44

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