quarta-feira, 6 de novembro de 2019

Covardia - Alessandro Brito

Foi pura covardia! Triste do ser humano que carrega em suas costas o peso da covardia.
Esse peso ironicamente é como o vento, suave, mas frio e implacável, talvez seja como a fé, não se pode ver, mas pesa toneladas nas costas de quem a carrega.

Os papéis assinados me deram a falsa ilusão de que tudo ficaria bem, sua gentileza foi covarde do início ao fim, premeditada e egoísta ela seduzia-me, mas sua postura quando comparada aos outros casais ao nosso redor, parecia ingênua. Você soube articular bem a redoma que me cobriu e impediu-me de respirar enterrando-me em vida, ferindo-me sem ser ríspido. Fez-me sentir nula, fui constrangedoramente feliz para a sociedade,  nos nossos aniversários, nos aniversários do nosso filho, motivada pela esperança de viver os sonhos vendidos nas assinaturas dos papéis.
Não pude ao menos me retirar da sala, nem reclamar das suas horas em frente a televisão, não tivemos uma sala, não pude reclamar da toalha molhada em cima da cama, ou dos tênis e meias espalhados no quarto, não tivemos um quarto, não pude sorrir pra você na cozinha enquanto dividíamos as tarefas do jantar ou o lanche na madruga depois do sexo, não tivemos uma cozinha, não tivemos uma casa nem moramos juntos, no final do feriado íamos cada qual pra casa dos nossos respectivos pais.
Não foi possível gestar a intimidade, a verdade é que nós abortamos a felicidade no único ano que moramos no mesmo teto, o primeiro ano. Eu não tive coragem de levantar a cabeça olhar no espelho e aceitar que fiz um aborto, o da minha própria felicidade.
Ainda sim a ti me dediquei, fui honesta, fiel, passei noites procurando o que havia de errado em mim que te fazia me colocar naquela condição de esposa que mora na casa da mãe, não entendo sua motivação em agir assim, não assumir a mim ao nosso filho, tive noites infinitas, longas como toda espera daquele que ama, na maioria delas consegui engolir o choro e as palavras, nas outras senti meus olhos arderem, pois só eles tiveram coragem de gritar, eu não. Agora percebo que também fui covarde. Como poderia julgá-lo?
Você me tratou com muito carinho e cordialidade, isso foi muito, muito pouco perto do que mereço. Inevitavelmente nesses milhares de dias passados você foi desaparecendo lentamente dentro de mim, deixando apenas sua réstia, sobras de atenção que eu ainda me apegava. O paradoxo entre sacrifício e covardia aliado a proposta do amor eterno me fez sobrepujar todos os obstáculo, até aqui! Não o amo mais como homem, o sentimento se transformou, nossos nomes deixaram de ter o mesmo sobrenome, você é o pai do meu filho, apenas.
Esse sentimento não é meu e essa história não é a minha, mas poderia ter sido.

P.S.: Um homem que não se dedica a família, nunca será um homem de verdade. Don Vito Corleone

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