quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Adorável Canalha - Carpinejar

É um defeito, mas nada mais delicioso do que ouvir de uma mulher: "CANALHA!"

Ser chamado de "canalha" por uma voz feminina é o domingo da língua portuguesa. O som reboa redondo. Os lábios da palavra são carnudos. Vontade de morder com os ouvidos. Aproximar-se da porta e apanhar a respiração do quarto pela fechadura.

Canalha, definitivo como um estampido, como um tapa.

Não ser chamado de canalha pela maldade, mas por mérito da malícia, como virtude da insinuação, pelo atrevimento sugestivo.

Não o canalha canalha, mas o ca-na-lha, sem repetição. Único.

Não o canalha que deixa a mulher; o canalha que permanece junto. O canalha adorável que ultrapassou o sinal vermelho para levá-la. O canalha que é rude, nunca por falta de educação, para acentuar a violência do amor. Canalha por opção, não devido a uma infelicidade e limitação intelectual. Canalha em nome da inteligência do corpo.

O canalha. Como um elogio. Um elogio para dizer que é impossível domesticar esse homem, é impossível conter, é impossível fugir dele. Canalha como pós-graduação do "sem-vergonha".

Bem diferente de crápula, que não é sensual e define o mau-caratismo indelével, ou de cafajeste, alguém que não presta nem para ser canalha, de índole egoísta e aproveitadora.

Eu me arrepio ao escutar canalha. Um canalha que significa o contrário do dicionário. Nem perca tempo consultando o Aurélio e o Houaiss, que não incluem o sentimento da pronúncia. Estou falando do canalha que suscita aproximação, abraço, desejo. Um canalha que é um pedido de casamento entre as vogais.

É pelas expressões que se define a segurança masculina. Sempre duvidei de homem que diz que vai fazer xixi. Xixi é coisa de criança. Eu não represo a gargalhada quando um amigo adulto e de vida feita comenta que vai fazer xixi. Imagino o cara sentado. Infantil como Ivo viu a uva. Já urinar é muito laboratorial. Prefiro mijar, direto, rápido e verdadeiro. As árvores mijam. Os relâmpagos mijam. Os cachorros mijam para demarcar seu território. Aliás, o correto é não anunciar, ir ao banheiro apenas, para evitar constrangimentos vocabulares.

Canalha funciona como uma agressão íntima. Uma agressão afetuosa. Uma provocação. Não se está concluindo, é uma pergunta. Canalha é uma interrogação gostosa.

Não ficarei triste se você esquecer meu nome, chame-me de canalha.

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Crônica extraída do livro "Canalha!" de Fabrício Carpinejar - Editora Bertrand Brasil.

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