Minha lira tem um jeito de quem está perdido em um caminho sem volta, não há paredes, não há estradas, não há luz nem referentes, há apenas passos desvairados que me conduzem querendo voltar...
quarta-feira, 31 de outubro de 2012
terça-feira, 30 de outubro de 2012
Um desafio à escuridão - Charles Bukowski
atire no no olho
atire no cérebro
atire no cu
atire como uma flor numa dança
fantástico como a morte ganha tão facilmente
fantástico como muito crédito é dado para formas de vida idiotas
fantástico como a risada tem sido silenciada.
fantástico como a crueldade tem sido constantemente propagada.
preciso logo declarar minha guerra à guerra deles
preciso segurar meu pedaço de chão
preciso proteger o pequeno lugar onde fiz que minha vida foça permitida
minha vida não à morte deles
minha morte não à morte deles…
atire no cérebro
atire no cu
atire como uma flor numa dança
fantástico como a morte ganha tão facilmente
fantástico como muito crédito é dado para formas de vida idiotas
fantástico como a risada tem sido silenciada.
fantástico como a crueldade tem sido constantemente propagada.
preciso logo declarar minha guerra à guerra deles
preciso segurar meu pedaço de chão
preciso proteger o pequeno lugar onde fiz que minha vida foça permitida
minha vida não à morte deles
minha morte não à morte deles…
Frase - Alessandro Brito
Eu respeito que a maioria dos que convivo não entendam "como eu vivo", mas acreditem é apenas uma questão de estilo!
Me compreender é o fundamental, ser compreendido...
Me compreender é o fundamental, ser compreendido...
segunda-feira, 29 de outubro de 2012
Ranchinho de paia - Luiz Gonzaga
Ranchinho de Paia
Que abriga você
Na espalha do coqueiro
E só uma roseira.
Ranchinho de Paia
Onde tudo é amor,
Há beleza na praia
E um canto do pescador.
Ranchinho de Paia
Onde o chão é de areia
Onde nós dois agazáia
Essa casinha tão feia.
Mas pouca gente
É feliz como nós
Um canta pro outro
E pro vento escutando a voz.
Que abriga você
Na espalha do coqueiro
E só uma roseira.
Ranchinho de Paia
Onde tudo é amor,
Há beleza na praia
E um canto do pescador.
Ranchinho de Paia
Onde o chão é de areia
Onde nós dois agazáia
Essa casinha tão feia.
Mas pouca gente
É feliz como nós
Um canta pro outro
E pro vento escutando a voz.
Frase - John Ruskin
"A maior recompensa do nosso trabalho não é o que nos pagam por ele,
mas aquilo em que ele nos transforma."
mas aquilo em que ele nos transforma."
quinta-feira, 25 de outubro de 2012
Adorável Canalha - Carpinejar
É um defeito, mas nada mais delicioso do que ouvir de uma mulher: "CANALHA!"
Ser chamado de "canalha" por uma voz feminina é o domingo da língua portuguesa. O som reboa redondo. Os lábios da palavra são carnudos. Vontade de morder com os ouvidos. Aproximar-se da porta e apanhar a respiração do quarto pela fechadura.
Canalha, definitivo como um estampido, como um tapa.
Não ser chamado de canalha pela maldade, mas por mérito da malícia, como virtude da insinuação, pelo atrevimento sugestivo.
Não o canalha canalha, mas o ca-na-lha, sem repetição. Único.
Não o canalha que deixa a mulher; o canalha que permanece junto. O canalha adorável que ultrapassou o sinal vermelho para levá-la. O canalha que é rude, nunca por falta de educação, para acentuar a violência do amor. Canalha por opção, não devido a uma infelicidade e limitação intelectual. Canalha em nome da inteligência do corpo.
O canalha. Como um elogio. Um elogio para dizer que é impossível domesticar esse homem, é impossível conter, é impossível fugir dele. Canalha como pós-graduação do "sem-vergonha".
Bem diferente de crápula, que não é sensual e define o mau-caratismo indelével, ou de cafajeste, alguém que não presta nem para ser canalha, de índole egoísta e aproveitadora.
Eu me arrepio ao escutar canalha. Um canalha que significa o contrário do dicionário. Nem perca tempo consultando o Aurélio e o Houaiss, que não incluem o sentimento da pronúncia. Estou falando do canalha que suscita aproximação, abraço, desejo. Um canalha que é um pedido de casamento entre as vogais.
É pelas expressões que se define a segurança masculina. Sempre duvidei de homem que diz que vai fazer xixi. Xixi é coisa de criança. Eu não represo a gargalhada quando um amigo adulto e de vida feita comenta que vai fazer xixi. Imagino o cara sentado. Infantil como Ivo viu a uva. Já urinar é muito laboratorial. Prefiro mijar, direto, rápido e verdadeiro. As árvores mijam. Os relâmpagos mijam. Os cachorros mijam para demarcar seu território. Aliás, o correto é não anunciar, ir ao banheiro apenas, para evitar constrangimentos vocabulares.
Canalha funciona como uma agressão íntima. Uma agressão afetuosa. Uma provocação. Não se está concluindo, é uma pergunta. Canalha é uma interrogação gostosa.
Não ficarei triste se você esquecer meu nome, chame-me de canalha.
**
Crônica extraída do livro "Canalha!" de Fabrício Carpinejar - Editora Bertrand Brasil.
Ser chamado de "canalha" por uma voz feminina é o domingo da língua portuguesa. O som reboa redondo. Os lábios da palavra são carnudos. Vontade de morder com os ouvidos. Aproximar-se da porta e apanhar a respiração do quarto pela fechadura.
Canalha, definitivo como um estampido, como um tapa.
Não ser chamado de canalha pela maldade, mas por mérito da malícia, como virtude da insinuação, pelo atrevimento sugestivo.
Não o canalha canalha, mas o ca-na-lha, sem repetição. Único.
Não o canalha que deixa a mulher; o canalha que permanece junto. O canalha adorável que ultrapassou o sinal vermelho para levá-la. O canalha que é rude, nunca por falta de educação, para acentuar a violência do amor. Canalha por opção, não devido a uma infelicidade e limitação intelectual. Canalha em nome da inteligência do corpo.
O canalha. Como um elogio. Um elogio para dizer que é impossível domesticar esse homem, é impossível conter, é impossível fugir dele. Canalha como pós-graduação do "sem-vergonha".
Bem diferente de crápula, que não é sensual e define o mau-caratismo indelével, ou de cafajeste, alguém que não presta nem para ser canalha, de índole egoísta e aproveitadora.
Eu me arrepio ao escutar canalha. Um canalha que significa o contrário do dicionário. Nem perca tempo consultando o Aurélio e o Houaiss, que não incluem o sentimento da pronúncia. Estou falando do canalha que suscita aproximação, abraço, desejo. Um canalha que é um pedido de casamento entre as vogais.
É pelas expressões que se define a segurança masculina. Sempre duvidei de homem que diz que vai fazer xixi. Xixi é coisa de criança. Eu não represo a gargalhada quando um amigo adulto e de vida feita comenta que vai fazer xixi. Imagino o cara sentado. Infantil como Ivo viu a uva. Já urinar é muito laboratorial. Prefiro mijar, direto, rápido e verdadeiro. As árvores mijam. Os relâmpagos mijam. Os cachorros mijam para demarcar seu território. Aliás, o correto é não anunciar, ir ao banheiro apenas, para evitar constrangimentos vocabulares.
Canalha funciona como uma agressão íntima. Uma agressão afetuosa. Uma provocação. Não se está concluindo, é uma pergunta. Canalha é uma interrogação gostosa.
Não ficarei triste se você esquecer meu nome, chame-me de canalha.
**
Crônica extraída do livro "Canalha!" de Fabrício Carpinejar - Editora Bertrand Brasil.
quarta-feira, 17 de outubro de 2012
Para Al... - Charles Bukowski
não se preocupe com rejeições, parceiro,
eu já fui rejeitado
antes.
algumas vezes você comete um erro, pegando
o poema errado
o mais comum para mim é cometer o erro de
escrevê-lo.
mas eu gosto de uma montaria em cada corrida
mesmo que o homem
que organiza a largada da manhã
a coloque pagando 30 por um.
tenho que pensar na morte mais e mais
senilidade
muletas
poltronas
escrevendo poesia púrpura com a
caneta pingando
quando mocinhas com bocas
de piranha
corpos como limoeiros
corpos como nuvens
corpos como flashes de luz
pararem de bater à minha porta.
não se preocupe com rejeições, parceiro.
fumei 25 cigarros esta noite
e você sabe sobre a cerveja.
o telefone tocou apenas uma vez:
era engano.
eu já fui rejeitado
antes.
algumas vezes você comete um erro, pegando
o poema errado
o mais comum para mim é cometer o erro de
escrevê-lo.
mas eu gosto de uma montaria em cada corrida
mesmo que o homem
que organiza a largada da manhã
a coloque pagando 30 por um.
tenho que pensar na morte mais e mais
senilidade
muletas
poltronas
escrevendo poesia púrpura com a
caneta pingando
quando mocinhas com bocas
de piranha
corpos como limoeiros
corpos como nuvens
corpos como flashes de luz
pararem de bater à minha porta.
não se preocupe com rejeições, parceiro.
fumei 25 cigarros esta noite
e você sabe sobre a cerveja.
o telefone tocou apenas uma vez:
era engano.
Alma - Charles Bukowski
oh, como eles se preocupam com minha
alma!
recebo cartas
o telefone toca...
"você vai ficar bem?"
perguntam.
"ficarei bem", eu lhes digo.
"já vi tantos se afundarem na sarjeta",
eles me dizem.
"não se preocupem comigo", digo.
ainda assim me deixam nervoso.
entro e tomo uma chuveirada
saio e espremo uma espinha do
nariz.
então vou até a cozinha e preparo
um sanduíche de salame e presunto.
eu costumava viver de doces baratos.
agora tenho mostarda alemã importada
para passar no sanduíche. devo estar em perigo
por causa disso.
o telefone segue tocando e as cartas seguem
chegando.
se você vive dentro de um ármario na companhia de ratos
e come pão velho
eles gostam de você.
você passa a ser um
gênio.
ou se está num manicômio ou
detido numa delegacia
eles o chamam de gênio.
ou se você está bêbado e não pára de gritar
obscenidades
vomitando as tripas no
chão
você é um gênio.
mas experimente pagar o aluguel um mês
adiantado
vestir um novo par de meias
ir ao dentista
fazer amor com uma garota limpa e saudável
em vez de pegar um puta
e você vendeu sua
alma.
não estou minimamente interessado em perguntar como
vão suas almas.
suponho que era o que eu deveria
fazer.
alma!
recebo cartas
o telefone toca...
"você vai ficar bem?"
perguntam.
"ficarei bem", eu lhes digo.
"já vi tantos se afundarem na sarjeta",
eles me dizem.
"não se preocupem comigo", digo.
ainda assim me deixam nervoso.
entro e tomo uma chuveirada
saio e espremo uma espinha do
nariz.
então vou até a cozinha e preparo
um sanduíche de salame e presunto.
eu costumava viver de doces baratos.
agora tenho mostarda alemã importada
para passar no sanduíche. devo estar em perigo
por causa disso.
o telefone segue tocando e as cartas seguem
chegando.
se você vive dentro de um ármario na companhia de ratos
e come pão velho
eles gostam de você.
você passa a ser um
gênio.
ou se está num manicômio ou
detido numa delegacia
eles o chamam de gênio.
ou se você está bêbado e não pára de gritar
obscenidades
vomitando as tripas no
chão
você é um gênio.
mas experimente pagar o aluguel um mês
adiantado
vestir um novo par de meias
ir ao dentista
fazer amor com uma garota limpa e saudável
em vez de pegar um puta
e você vendeu sua
alma.
não estou minimamente interessado em perguntar como
vão suas almas.
suponho que era o que eu deveria
fazer.
AUDÁCIA - ALVAIADE E CASQUINHA
Eu tive audácia em falar de amor
Mas eu precisava amenizar a minha dor
Sei a diferença que existe entre nós
Mas quis falar porque o amor não tem voz
Diga que me ama
Embora eu seja enganado
São palavras de conforto
A um desesperado
Desde o dia em qeu te vi
Senti um grande afeto por ti
Sem poder amenizar a minha dor
Culpada foi a própria natureza
Que te deu tanta beleza
Tanta graça e explendor
Sei a diferença que existe entre nós
Mas quis falar porque o amor não tem voz
Diga que me ama
Embora eu seja enganado
São palavras de conforto
A um desesperado
Desde o dia em qeu te vi
Senti um grande afeto por ti
Sem poder amenizar a minha dor
Culpada foi a própria natureza
Que te deu tanta beleza
Tanta graça e explendor
Amigo é Casa - Zélia Duncan e Simone
Amigo é feito casa que se faz aos poucos
e com paciência pra durar pra sempre
Mas é preciso ter muito tijolo e terra
preparar reboco, construir tramelas
Usar a sapiência de um João-de-barro
que constrói com arte a sua residência
há que o alicerce seja muito resistente
que às chuvas e aos ventos possa então a proteger
E há que fincar muito jequitibá
e vigas de jatobá
e adubar o jardim e plantar muita flor toiceiras de resedás
não falte um caramanchão pros tempos idos lembrar
que os cabelos brancos vão surgindo
Que nem mato na roceira
que mal dá pra capinar
e há que ver os pés de manacá
cheínhos de sabiás
sabendo que os rouxinóis vão trazer arrebóis
choro de imaginar!
pra festa da cumieira não faltem os violões!
muito milho ardendo na fogueira
e quentão farto em gengibre
aquecendo os corações
A casa é amizade construída aos poucos
e que a gente quer com beira e tribeira
Com gelosia feita de matéria rara
e altas platibandas, com portão bem largo
que é pra se entrar sorrindo
nas horas incertas
sem fazer alarde, sem causar transtorno
Amigo que é amigo quando quer estar presente
faz-se quase transparente sem deixar-se perceber
Amigo é pra ficar, se chegar, se achegar,
se abraçar, se beijar, se louvar, bendizer
Amigo a gente acolhe, recolhe e agasalha
e oferece lugar pra dormir e comer
Amigo que é amigo não puxa tapete
oferece pra gente o melhor que tem e o que nem tem
quando não tem, finge que tem,
faz o que pode e o seu coração reparte que nem pão.
e com paciência pra durar pra sempre
Mas é preciso ter muito tijolo e terra
preparar reboco, construir tramelas
Usar a sapiência de um João-de-barro
que constrói com arte a sua residência
há que o alicerce seja muito resistente
que às chuvas e aos ventos possa então a proteger
E há que fincar muito jequitibá
e vigas de jatobá
e adubar o jardim e plantar muita flor toiceiras de resedás
não falte um caramanchão pros tempos idos lembrar
que os cabelos brancos vão surgindo
Que nem mato na roceira
que mal dá pra capinar
e há que ver os pés de manacá
cheínhos de sabiás
sabendo que os rouxinóis vão trazer arrebóis
choro de imaginar!
pra festa da cumieira não faltem os violões!
muito milho ardendo na fogueira
e quentão farto em gengibre
aquecendo os corações
A casa é amizade construída aos poucos
e que a gente quer com beira e tribeira
Com gelosia feita de matéria rara
e altas platibandas, com portão bem largo
que é pra se entrar sorrindo
nas horas incertas
sem fazer alarde, sem causar transtorno
Amigo que é amigo quando quer estar presente
faz-se quase transparente sem deixar-se perceber
Amigo é pra ficar, se chegar, se achegar,
se abraçar, se beijar, se louvar, bendizer
Amigo a gente acolhe, recolhe e agasalha
e oferece lugar pra dormir e comer
Amigo que é amigo não puxa tapete
oferece pra gente o melhor que tem e o que nem tem
quando não tem, finge que tem,
faz o que pode e o seu coração reparte que nem pão.
segunda-feira, 15 de outubro de 2012
domingo, 14 de outubro de 2012
Vocês - Alessandro Brito
De mim, apenas eu
Existe, pouco, muito pouco
De certo, quase nada
Sou em minha maioria, vocês...
Que me respeitam, me amam
Que me ouvem, me leem...
Me permitem apenas ser
Sem ao menos me entenderem, me permitem ser
Confuso, ansioso, verborrágico
Amigo, irmão, me permitem ser vocês...
Sou a minha história
Contada em versos
Dos reversos do meu caminho
Cada qual em mim tem uma frase
Deixaram- me ensinamentos
Sou então de vocês um texto
Revendo meus anais
hoje tenho apenas duas certezas:
-Que um dia partirei
-E que nunca estive sozinho
Existe, pouco, muito pouco
De certo, quase nada
Sou em minha maioria, vocês...
Que me respeitam, me amam
Que me ouvem, me leem...
Me permitem apenas ser
Sem ao menos me entenderem, me permitem ser
Confuso, ansioso, verborrágico
Amigo, irmão, me permitem ser vocês...
Sou a minha história
Contada em versos
Dos reversos do meu caminho
Cada qual em mim tem uma frase
Deixaram- me ensinamentos
Sou então de vocês um texto
Revendo meus anais
hoje tenho apenas duas certezas:
-Que um dia partirei
-E que nunca estive sozinho
Gracias a La Vida - Mercedes Sosa
Infinitamente lindo...
"...Graças à vida que me deu tanto
Me deu a marcha de meus pés cansados
Com eles andei cidades e charcos
Praias e desertos, montanhas e planícies
E a casa sua, sua rua e seu pátio
Graças à vida que me deu tanto
Me deu o coração que agita seu marco
Quando olho o fruto do cérebro humano
Quando olho o bom tão longe do mal
Quando olho o fundo de seus olhos claros..."
quarta-feira, 10 de outubro de 2012
Encurralado - Bukowski
Não dispa o meu amor
você pode encontrar um manequim;
não dispa um manequim
você pode encontrar
o meu amor.
ela há muito tempo
me esqueceu.
ela experimenta um novo
chapéu
e parece mais
coquete
do que nunca.
ela é uma
criança
e um manequim
e
é a morte.
não tenho como odiar
isso.
ela não faz
nada fora do
comum.
queria apenas que ela
fizesse.
você pode encontrar um manequim;
não dispa um manequim
você pode encontrar
o meu amor.
ela há muito tempo
me esqueceu.
ela experimenta um novo
chapéu
e parece mais
coquete
do que nunca.
ela é uma
criança
e um manequim
e
é a morte.
não tenho como odiar
isso.
ela não faz
nada fora do
comum.
queria apenas que ela
fizesse.
Canção de Homens e Mulheres Lamentáveis - Antônio Maria
Esta noite... esta chuva... estas reticências. Sei lá.
Quem seria capaz de abrir o peito e
mostrar a ferida? De dizer o nome? De lembrar, sequer lembrar, o rosto?
Quem seria capaz de contar a história? De chamar o maior amigo, ou melhor, o inimigo, e dizer:
— Estou me sentindo assim, assim, assim...
A humanidade está necessitando, urgentemente, de afeto e milagre. Mas não sabe onde estão as mãos, nem os deuses. E, quando souber, vai achar que as mãos e os deuses são de mentira. Os olhos de todos estarão cheios de medo, os olhos das jovens raparigas, os olhos, os braços, o ventre e as pernas das jovens raparigas, receosos de pagar com os quefazeres do sexo.
Nesta noite, com esta chuva, as jovens raparigas não são importantes. Apenas uma tem importância. Mas quem seria de todo livre e descuidado, a ponto de dizer o seu nome? De pensar o seu nome? Você diria em público o nome da Amada? E suportaria ouvi-lo? Não, não; o nome dela, em sua boca ou na dos outros, é tão proibido como sua nudez (dela). Não há diferença.
E por que você não se transforma no homem banal, que se encharca de álcool, para apregoar a desdita? Seria mais fácil. Talvez alguém lhe chamasse de porco e você revidasse com um soco no rosto, um só rosto, de todo o Gênero Humano. Viria a polícia, que simplifica tudo, generalizando. E tudo se transformaria em notícia: "Preso o alcoólatra, quando injuriava e agredia a Família Brasileira, na pessoa de um sócio do Country".
Há poucos minutos, em meu quarto, na mais completa escuridão, a carência era tanta que tive de escolher entre morrer e escrever estas coisas. Qualquer das escolhas seria desprezível. Preferi esta (escrever), uma opção igualmente piegas, igualmente pífia e sentimental, menos espalhafatosa, porém. A morte, mesmo em combate, é burlesca.
Uma pergunta, que não tem nada a ver com o corpo desta canção. Quem saberia discriminar o ódio do amor? Ninguém. Os psicologistas e analistas têm perdido um tempo enorme.
Ontem à noite, voltando para casa, senti-me espectador de mim mesmo. E confesso que, pela primeira vez, não achei a menor graça. Saíra, pela primeira vez, de óculos e o porteiro do edifício me recebeu com esta agradável pergunta:
— Que é que houve? O senhor está mais velho?
Quem seria capaz de contar a história? De chamar o maior amigo, ou melhor, o inimigo, e dizer:
— Estou me sentindo assim, assim, assim...
A humanidade está necessitando, urgentemente, de afeto e milagre. Mas não sabe onde estão as mãos, nem os deuses. E, quando souber, vai achar que as mãos e os deuses são de mentira. Os olhos de todos estarão cheios de medo, os olhos das jovens raparigas, os olhos, os braços, o ventre e as pernas das jovens raparigas, receosos de pagar com os quefazeres do sexo.
Nesta noite, com esta chuva, as jovens raparigas não são importantes. Apenas uma tem importância. Mas quem seria de todo livre e descuidado, a ponto de dizer o seu nome? De pensar o seu nome? Você diria em público o nome da Amada? E suportaria ouvi-lo? Não, não; o nome dela, em sua boca ou na dos outros, é tão proibido como sua nudez (dela). Não há diferença.
E por que você não se transforma no homem banal, que se encharca de álcool, para apregoar a desdita? Seria mais fácil. Talvez alguém lhe chamasse de porco e você revidasse com um soco no rosto, um só rosto, de todo o Gênero Humano. Viria a polícia, que simplifica tudo, generalizando. E tudo se transformaria em notícia: "Preso o alcoólatra, quando injuriava e agredia a Família Brasileira, na pessoa de um sócio do Country".
Há poucos minutos, em meu quarto, na mais completa escuridão, a carência era tanta que tive de escolher entre morrer e escrever estas coisas. Qualquer das escolhas seria desprezível. Preferi esta (escrever), uma opção igualmente piegas, igualmente pífia e sentimental, menos espalhafatosa, porém. A morte, mesmo em combate, é burlesca.
Uma pergunta, que não tem nada a ver com o corpo desta canção. Quem saberia discriminar o ódio do amor? Ninguém. Os psicologistas e analistas têm perdido um tempo enorme.
Ontem à noite, voltando para casa, senti-me espectador de mim mesmo. E confesso que, pela primeira vez, não achei a menor graça. Saíra, pela primeira vez, de óculos e o porteiro do edifício me recebeu com esta agradável pergunta:
— Que é que houve? O senhor está mais velho?
Tirei os óculos e, fitando-o, esperei as
desculpas. Mas o homem continuou:
— O que é que houve? De ontem para cá, o senhor envelheceu.
Tinha pensado que, sem os óculos...
Não estou escrevendo para ninguém gostar ou, ao menos, entender. Estou escrevendo, simplesmente, e isto me supre: contrabalança, quando nada. Esta noite, esta chuva — e poderia escrever as coisas mais alegres, esta noite. Neruda, coitado, as mais tristes.
Só há uma vantagem na solidão: poder ir ao banheiro com a porta aberta. Mas isto é muito pouco, para quem não tem sequer a coragem de abrir a camisa e mostrar a ferida.
Texto extraído do livro "Com Vocês Antônio Maria", Editora Paz e Terra - São Paulo, 1994, pág. 127.
— O que é que houve? De ontem para cá, o senhor envelheceu.
Tinha pensado que, sem os óculos...
Não estou escrevendo para ninguém gostar ou, ao menos, entender. Estou escrevendo, simplesmente, e isto me supre: contrabalança, quando nada. Esta noite, esta chuva — e poderia escrever as coisas mais alegres, esta noite. Neruda, coitado, as mais tristes.
Só há uma vantagem na solidão: poder ir ao banheiro com a porta aberta. Mas isto é muito pouco, para quem não tem sequer a coragem de abrir a camisa e mostrar a ferida.
Texto extraído do livro "Com Vocês Antônio Maria", Editora Paz e Terra - São Paulo, 1994, pág. 127.
quinta-feira, 4 de outubro de 2012
Poema do Homem Só - Antônio Gedeão
Sós,
irremediavelmente sós,
como um astro perdido que arrefece.
Todos passam por nós
e ninguém nos conhece.
Os que passam e os que ficam.
Todos se desconhecem.
Os astros nada explicam:
Arrefecem
Nesta envolvente solidão compacta,
quer se grite ou não se grite,
nenhum dar-se de outro se refracta,
nehum ser nós se transmite.
Quem sente o meu sentimento
sou eu só, e mais ninguém.
Quem sofre o meu sofrimento
sou eu só, e mais ninguém.
Quem estremece este meu estremecimento
sou eu só, e mais ninguém.
Dão-se os lábios, dão-se os braços
dão-se os olhos, dão-se os dedos,
bocetas de mil segredos
dão-se em pasmados compassos;
dão-se as noites, e dão-se os dias,
dão-se aflitivas esmolas,
abrem-se e dão-se as corolas
breves das carnes macias;
dão-se os nervos, dá-se a vida,
dá-se o sangue gota a gota,
como uma braçada rota
dá-se tudo e nada fica.
Mas este íntimo secreto
que no silêncio concreto,
este oferecer-se de dentro
num esgotamento completo,
este ser-se sem disfarce,
virgem de mal e de bem,
este dar-se, este entregar-se,
descobrir-se, e desflorar-se,
é nosso de mais ninguém.
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