Voou pela vastidão Mas por inexperiente Caiu em um alçapão Depois de aprisionado Ficou mais martirizado Pensando no seu filhinho Implume, sem alimento, Exposto à chuva e ao vento Sem poder sair do ninho.
Deram-lhe por seu abrigo Uma pequena gaiola Num casebre de um mendigo Que só comia de esmola Só vivia cochilando Com certeza imaginando Sua liberdade santa Ia cantar, não podia, Que sua voz se perdia Logo ao sair da garganta.
Tornou-se a pena cinzenta Em seu profundo castigo Na saleta fumarenta Da casa do tal mendigo Sempre triste, arrepiado, Nesse viver desolado Ia um mês, vinha outro mês, Assim completou um ano Sentindo o seu desengano Nunca cantou outra vez.
Dormindo, uma tarde inteira O pobre do passarinho Sonhou que ia à palmeira Onde tinha feito o ninho Olhava, em frente, as campinas Via por trás das colinas A natureza sorrindo Ao sentir a liberdade Pensou ser realidade Sem saber cantou dormindo.
Depois, sonhou que voltava À terra dos braunais Por onde sempre cantava Junto a outros sabiás Pousava nas laranjeiras, Passava nas ribanceiras Olhando o clarão do dia Voava por sobre o monte, Voltava a beber na fonte Que toda manhã bebia.
No sonho via as favelas Criadas nos carrascais Voou, baixou, pousou nelas Cantou os seus madrigais Voltou, e colheu orvalhos Que gotejavam dos galhos Dos frondosos jiquiris Contente, abriu a plumagem, Pra receber a bafagem Das manhãs do seu país.
Foi à terra dos palmares Atravessou toda a flora Cantou por todos lugares Que tinha cantado outrora Passou pelos mangueirais E com outros sabiás Cantou sonora canção O seu som melodioso Estava mais pesaroso Devido a sua emoção.
Viu a vinda do inverno Nos quadrantes da paisagem Ouviu o sussurro terno Do bulício da folhagem Cantava pelo arrebol, Com o brilho morno do sol Morrendo nos altos cumes Sentia, quando cantava, Que seu coração chorava Com mais tristeza e queixumes.
Sonhou catando semente Num campo vasto e risonho Se sentia tão contente Que sonhou que fosse um sonho Olhava pra vastidão Sentia no coração Um regozijo profundo Todas delícias sentia Às vezes lhe parecia Vivendo fora do mundo.
Atravessou os verdores, Passou por entre as searas, Cantou pelos resplendores Das manhãs frescas e claras Passou por um campo vago, Bebeu das águas de um lago, Pousou em um arvoredo, Entrou em um bosque escuro, Aí sonhou um futuro Tão triste que teve medo.
Depois, sonhou que estava Trancado numa gaiola Ouvindo alguém que cantava Na porta, pedindo esmola. Ao despertar de momento Reparou seu aposento, Ouviu falar o mendigo Fechou os olhos pensando Sentiu seu íntimo chorando No rigor do seu castigo.
Ainda em vão procurava Sair daquela prisão Seu olhar denunciava Piedade e compaixão Ao pensar na liberdade A mais pungente saudade Devorava o peito seu Assim, o cantor da mata, Ferido da sorte ingrata, No outro dia, morreu. |