quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Cadê minhas lembranças felizes? - Fabrício Carpinejar

De todas as conversas que tive com minha mãe, só lembro aquela que me magoou.
De todos os nossos longos e curtos diálogos no carro, no ônibus, em casa, nas praças, nas caminhadas pelo bairro.
Milhares de c

umprimentos, de abraços, de risos, de colos, de palavras de incentivo, de piadas e recordações, e o que guardo é ela dizendo que não presto. (...)

Não preservamos as delicadezas, assim como não economizamos água, já que ela verte com ligeireza pela torneira da residência.

Não poupamos as cenas comoventes, assim como não economizamos luz, já que ela depende de um clique para clarear as paredes.

Não embrulhamos a ternura, esnobamos. Parece que é um dever recebê-la, que nossa companhia precisa nos oferecer sempre o cotidiano mais precioso. (...)


O que é ruim é solene. O que é bom é descartável.

A morte se torna mais inesquecível do que o nascimento. O atrito surge mais consolidado do que o primeiro encontro. A ruptura se destaca diante dos acordes iniciais da amizade.

Temos amnésia da leveza, pois deduzimos que virá mais e mais no dia seguinte. Não criamos álbuns de nossas gargalhadas, mas recortamos as cenas rancorosas e amargas como se fossem definitivas e esclarecedoras.


Somos algozes da felicidade e, ao mesmo tempo, vítimas da infelicidade.


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