quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Hipocrisia 2 - Alessandro Brito


Fico impressionado com minha capacidade de ser hipócrita, me emociono co meu desejo de ser uma pessoa mais humana, fico enfurecido com minha incompetência, com minhas limitações.
Acabo de entrar no metrô, já é noite, quase 23h30min tudo tranqüilo meu coração está ansioso, afinal vai de encontro com a mulher que o deixa descompassado.
Último vagão sentei de frente aquele quadradinho que se forma atrás da cabine do condutor.  Estação seguinte as pessoas começam a aparecer, várias vidas e destinos dos quais não tenho o menor conhecimento de suas histórias. Eis que entra um sujeito de pele escura, descalço, camisa rasgada e bem suja, em suas mãos traz uma caixinha de fast food . Foi ai que começou minha agonia!
Estaria levando comida para os filhos? Esposa? Estaria indo para casa? Haveria mesmo algum alimento dentro daquela caixa?
Mas porque me preocupo? Tenho um emprego, uma companheira maravilhosa, bons e fiéis amigos, uma história, muitas coisas por fazer, por que então me preocupo e me abalo com aquele outro ser.
Outras estações passando, mais destinos entrando e saindo dos vagões  sem sentimentos, condutor de bons e ruins... E assim o ambiente vai sendo preenchido.
Ainda faltam algumas estações mas descerei em breve, levarei todas aquelas perguntas sem respostas? Logo eu que sou defensor celebre da frase do Raul “ Faça o que tu queres, pois a de ser tudo da lei”.
Então percebo que as pessoas entram despretensiosas almejando um lugar para poderem descansar seus corpos pesados enquanto não chegam a seus destinos. Mas ao entrarem no perímetro encoberto pela cabine deparam- se com aquela figura “repugnante” e sem hesitar dão meia volta em busca de um lugar “seguro”.
Percebo que o descamisado é mais sagaz que qualquer um daqueles que o desprezam, é incrível como não pisca, não se move, mas observa cada um que o cerca.
Então entra um rapaz muito elegante e bem apessoado carregando uma mala, com a expressão cansada, sem imaginar que naquele espaço livre se encontra um descamisado ele se direciona em busca de um assento, ao deparar-se com a figura marginalizada não pensa duas vezes em dar meia volta e se acomodar em outro lugar assim como fizeram as outras pessoas durante todo o percurso. Meu lado humano parece ter sido tocado, levanto cedendo meu lugar ao Sr. Elegância e vou de encontro ao renegado.
As pessoas parecem não acreditar, era como se elas não tivessem dividindo o mesmo espaço com aquele ser humano. Acho que elas eram melhores que ele, não sei em que, mas foi o que me pareceu ao ver que todos acompanhavam  com espanto meus passos em direção aquele homem.
Restam 4 estações até meu destino, sentado ao lado dele ensaiei umas 5 vezes perguntar a ele se aquela comida era para seu “filho”. Não tive coragem!
Então pensei apenas dizer antes de descer : “ O ser humano é a coisa mais nojenta do mundo, ninguém aqui é melhor do que você ou eu, somos todos sórdidos em nossos pensamentos e pecaminosos em nossas atitudes!”  Não tive coragem novamente, me igualei a todos aquelas pessoas repugnantes... É minha estação, preciso descer, preciso falar, quero ficar, não posso ficar, quero logo fugir  daquele lugar daquela situação, não posso esperar!
Um filme de minha vida passou naqueles milésimos de segundo, não aprendi nada com minhas cabeçadas e com meus erros, com toda solidão que já senti.  “Alguns soldados se esquecem das trincheiras quando deixam o campo de batalha, se esquecem que viveram na guerra”.
Sofro com as dores do mundo, mas minha hipocrisia me corrompe e nem um bandeide consigo colocar nesse câncer dessa nossa imoral “sociedade”.  

3 comentários:

  1. Olha, só o fato de você querer perguntar ao homem o que é que continha aquela caixinha já demonstra que você mesmo o considerava muito diferente de você. O que tem de tão inusitado num maltrapilho levar uma caixinha de fast food, não é? Você não se igualou a todos nós quando não teve coragem de perguntar, mas ao sentir vontade de perguntar. Ou por acaso você sempre quer perguntar, por aí, o que as pessoas levam em suas embalagens de comida rápida? Aliás, ainda bem que você não disse nada, pois isso seria uma baita indiscrição. Ou os andrajosos não merecem discrição?Veja, eu também não sentaria ao lado desse homem, por diversos motivos,tão diversos que você nunca seria capaz de imaginar, mas não o acharia diferente por causa da embalagem nas mãos. E aí eu seria julgada por causa disso?Seria, sim, mas pelos motivos errados. Concordo que nós somos hipócritas, mas conseguir identificar onde é que está a hipocrisia é tarefa árdua e nem sempre possível.

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  2. Hummm, obrigado por dar sua opinião! Irei refletir a respeito.
    Para avaliar tenho que fazer um misto, uso do "senso comum" (e nesse caso ele é sim diferente, excluído) e do meu senso (do que eu acho diferente e excluído).
    Imagino que não sentaria... E acho que fico satisfeito em não ser capaz de imaginar... Eh realmente a embalagem na mão não deveria ser o foco neh!? Não está certo, aí realmente mora o problema, do que é "certo ou errado", meus motivos são claramente diferentes dos seus, resultando em julgos diferentes. Mas fico feliz em concordarmos e ter ciência que somos hipócritas, mesmo que identiquemos hipocrisias distintas!

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  3. Refleti, e hoje (depois de saber um pouco mais sobre quem "julga" entendi que realmente nunca seria capaz de imaginar os motivos que também não a faria sentar- se ao lado desse homem, que alívio!!!!!!

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